sábado, 13 de junho de 2015



O LUDIBRIO EUROPEU


Cumprem-se hoje três décadas sobre o acto protocolar da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, celebrado com grande pompa no Mosteiro dos Jerónimos, por uma série de figuras de Estado, dos estreantes Portugal e Espanha, e outros países Europeus, incluindo altos representantes das Comunidades Europeias.

Entre as muitas expectativas que se haviam criado, com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias, então designadas por C.E.E., encontrava-se a dos "efeitos benéficos", dos Fundos Europeus, os quais, no Sector dos Transportes, constituir-se-iam como "o motor da sua modernização". Portugal estaria assim na antecâmara de uma nova era dos seus Transportes, às portas de uma verdadeira Revolução, só mesmo comparável aquela que se desencadeou em 1856, com a emergência do transporte mecanizado, através do caminho de ferro.

Para um sector ferroviário extremamente descapitalizado ao longo de décadas de Estado Novo, e no qual apenas se conseguia disfarçar a obsolescência das infraestruturas com uma Linha do Norte electrificada, e uma Dieselação ainda recente, que ainda há menos de uma década se aventurava pelas longínquas vias métricas Nordestinas, as expectativas de apanhar os restantes parceiros da U.I.C. (União Internacional dos Caminhos de Ferro) era grande. 

O Caminho de Ferro Português transportava mercadorias de todo o tipo, das Duas Igrejas-Miranda a Vila Real de Santo António-Guadiana. Nos seus serviços de passageiros, contavam-se, pelas estatísticas anuais, mais de 230 Milhões, dos quais mais de 2 Milhões, no segmento Internacional. Estendia-se o Caminho de Ferro Português por 18 distritos do Continente, num desenvolvimento de 3700 Km, com quatro pontos fronteiriços em plena actividade.

Que "Revolução dos Transportes" foi esta, que trouxeram três décadas de União Europeia, e dos Governos que geriram os Fundos de Bruxelas decorrentes da mesma? Hoje, o caminho de ferro transporta anualmente menos de 115 Milhões de passageiros, tem o sector de mercadorias entregue a menos de dez clientes, de entre os quais um, isolado, de granel combustível, que representa quase 1/4 da receita e está a ponto de desaparecer a médio prazo; não existe senão um conjunto de linhas desconexas e sem formar já qualquer rede, que no seu agregado, contam menos de 2500 Km de via em actividade. Em mais de 25 anos de exploração ferroviária, Portugal apresenta-se como o ÚNICO PAÍS DA OCDE ONDE O TRÁFEGO DE PASSAGEIROS REGISTOU UMA QUEBRA CONTÍNUA (até atingir aproximadamente aproximadamente 50% do transportado, à altura da adesão às Comunidades Europeias). Portugal praticamente deixou de ter serviços internacionais de passageiros, com apenas duas fronteiras a encontrarem-se em serviço comercial, em 2015, e um tráfego da ordem dos 150.000 movimentos anuais.


O "Antes" e o "Depois" da "Integração Europeia" é bem visível nestes mapas diagramas do caminho de ferro Português. À esquerda, uma rede ferroviária que existia, com muitas limitações, todavia funcional, e com razoável cobertura do território. À direita, o resultado da política de Direita: desmantelamento contínuo, desde os Executivos de Cavaco Silva, que num só dia de 1990, mandou desactivar 800 Km de linhas, deixando logo nessa leva Viseu fora da rede ferroviária e da mesma cidade fazendo um exemplo terceiro-mundista, de maior zona urbana da Europa Continental sem ligação ao resto do território por modo ferroviário. O desmantelamento contínuo da rede ferroviária assumiu-se também de formas mais imperceptíveis, tais como a liquidação do transporte de mercadoria em vagão completo, e extinção pura e simples do tráfego de "detalhe", com incentivo directo à passagem dos mesmos para a rodovia. A paranóia de destruição do caminho de ferro em Portugal foi-se mantendo até à actualidade, com um contributo importante do actual governo, que na sua raiva ideológica a tudo quanto seja transporte público, aproveitou para destruir a malha ferroviária no Sul do país, e ainda deixar UM DISTRITO INTEIRO (Portalegre) sem qualquer acesso ao serviço ferroviário de passageiros.

Ao mesmo tempo, privava-se o sector ferroviário de acesso aos Fundos Europeus, num jejum de investimento, que apenas foi episodicamente interrompido num curto período que abarcou a Expo98 e a realização do EURO2004, no qual, muito fugazmente, foi possível estender as electrificações em monofásico até à fronteira de Vilar Formoso, parte da Linha da Beira Baixa e, sobretudo, ao longo do corredor Braga-Faro, incluindo a instalação da travessia fixa do Estuário do Tejo em Lisboa, mas sem que estas melhorias pudessem verdadeiramente atingir o seu potencial, muito para além da índole meramente metropolitana e suburbana. A introdução tardia de composições de "pendulação activa" num contexto de um completo falhanço de um "Programa de Modernização da Linha do Norte", realizado com um afastamento de técnicos avalizados que advogavam já a introdução de uma Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto (que então dava os primeiros passos em Espanha, entre Madrid e Sevilha), constitui-se numa resposta frouxa, de natureza meramente política, e carregada de intencionalidade, na perspectiva de relegar de vez para a insignificância, a única grande artéria ferroviária que se vinha mantendo competitiva há décadas.

Para o caminho de ferro repetia-se incessantemente a frase: "Não há dinheiro", "não há dinheiro", "não há dinheiro". Houvesse crise, não houvesse crise. E ao mesmo tempo, as Autoestradas cresciam por todo o lado. Dos menos de 200 Km existentes aquando na entrada de Portugal nas Comunidades Europeias, três décadas mais tarde, o país possuía cerca de 3200 Km em exploração, com um rácio de quilometragem relativamente à ferrovia de 1,17, CASO ÚNICO EM TODA A EUROPA. Portugal passou a ter Autoestradas para todo o lado, ao abrigo de um Plano Rodoviário Nacional, aprovado com todos os votos das forças políticas representadas no Parlamento, mas sem que ao mesmo tivesse correspondido qualquer tipo de critério de avaliação socioeconomica e/ou de Análise de Custo-Benefício, com a aberração de virem a existir duas autoestradas paralelas de Setúbal a Valença, ou até mesmo autoestradas construídas especificamente para serventia de povoados com menos de 5000 habitantes, como Celorico da Beira-Trancoso. Portugal, com uma densidade de 20m de autoestrada por Km2 suplanta a média Europeia, de 16m por Km2; e no tocante à população, existem em Portugal 176m de autoestrada por cada 1000 habitantes, quando a média Europeia se queda por 138m de autoestrada por cada 1000 habitantes.

Completamente afastado das Redes Transeuropeias, o caminho de ferro em Portugal é hoje igualmente um sector completamente blindado nas fronteiras nacionais ao Investimento Directo Estrangeiro. Para desconforto de uma classe política torpe e provinciana, uma das maiores potências ferroviárias da Europa e do mundo é hoje a vizinha Espanha, o país Europeu onde, nos mesmos trinta anos em que Portugal regrediu, mais viu aumentar o tráfego ferroviário de passageiros (cerca de 160%, pelas estatísticas da UIC), graças aos investimentos maciços que realizou - a par de todos os outros Estados-Membros da União Europeia - quer na Alta Velocidade Ferroviária, quer nas redes de "Cercanías" (Suburbanas), quer ainda, e com grande intervenção das Comunidades Autonómicas, nas redes ferroviárias regionais e locais, muitas das quais em bitola métrica, idênticas na sua natureza aquelas que a estupidez de quem tem governado Portugal ao longo de três décadas, soube apenas destruir, e destruir. Em 2018, com a radial do AVE Madrid-Galicia a chegar a Vigo, deixará de ser possível aos media controlados pelos governos, esconderem dos cidadãos a condição de indigência territorial à qual Portugal ficará irremediavelmente votado no final da segunda década do séc.XXI, com Vigo a quedar-se a cerca de 2h50mn da capital de Espanha...a 750 Km. Quase o mesmo tempo que levará uma automotora velha e ronceira, a Diesel, alugada à própria RENFE (onde não é empregue por obsolescência), para percorrer os 170 Km, de Vigo ao Porto.

Porque motivo não intervém Bruxelas em Portugal, no que ao caminho de ferro diz respeito? Se temos que ser "Europeus em tudo", deveríamos convergir com a Europa, também no transporte ferroviário. Um país onde se passa a vida a apregoar "o futuro dos portos" e a "natureza estratégica da actividade turística", há muito deveria ter alterado por completo a forma de afectação dos seus Fundos Comunitários, no que concerne ao investimento em infraestruturas de transporte, sem que se estivesse à espera do anúncio lacónico de Bruxelas, relativo ao actual Quadro Comunitário de Apoio 2020, em que apenas ligações rodoviárias "last-mile", ascendem ao estatuto de acções ilegíveis. A resposta raivosa do (actual) governo de Portugal, não se fez esperar: liquidar a REFER, integrando-a nas Estradas de Portugal e consagrar quase-nada ao investimento ferroviário, sob o pretexto de que "como já temos autoestradas para todo o lado, o país já está bem servido de infraestruturas" (o sector dos Transportes (não-rodoviário, incluindo portos e caminho de ferro), é "brindado", com uns miseráveis 860 Milhões de Euros, de um total de 26000 Milhões, disponíveis até 2020).

Aqui chegados, há conclusões que são óbvias, ao fim destas três décadas de Portugal nas Comunidades Europeias. 

Um caminho de ferro agonizante é um instrumento de política extraordinário. Para quem, e para quê? Para um Estado que pretendeu, desde há três décadas, construir um modelo de crescimento, cuja pedra basilar, na qual assenta, é nada mais nada menos, do que uma economia artificial e parasitária, de oligopólios devidamente resguardados de qualquer concorrência, centrados na venda de combustíveis fósseis e exploração de concessões de autoestrada (com risco assegurado pelos contribuintes), sob um pano de fundo de completa promiscuidade entre grupos financeiros "importantes" à escala local (todavia anões insignificantes à escala Europeia) e o mundo da política que se alterna no poder. 

Mesmo que tudo isto signifique uma completa dependência energética de combustíveis fósseis em que Portugal se enterrou, nas três décadas que leva de "Integração" Europeia (50% dos combustíveis fósseis importados por Portugal servem apenas para alimentar o sector dos transportes). As estatísticas da OCDE cruzadas com as a Direcção-Geral da Energia são igualmente inequívocas, ao revelarem o quão inequivocamente MEDÍOCRE E INEFICIENTE se apresenta na actualidade o sector dos Transportes, o qual, nos últimos trinta anos, necessita de cerca de 30% mais gasto em Equivalente-Petróleo, para produzir a mesma Unidade-Km de output. Isto tudo há que suportar, em nome dos intocáveis oligopólios, protegidos pelo Estado. 

Mesmo que tudo isto signifique uma completa hipoteca de futuro do nosso território, relegado para uma condição de indigência e incapacidade de captar investimento e actividades económicas, geradoras de emprego e valor.

Até quando permanecerá Portugal refém deste ludíbrio? Estaremos condenados à condição de Estado Europeóide?

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