quarta-feira, 24 de junho de 2015

Despromoção Urbana – Um Ponto de Vista I
“A Evolução”

Todos nós nas últimas décadas temos vindo a ser confrontados em Portugal com encerramentos de ramais e linhas de caminho-de-ferro, apresentados como uma inevitabilidade, em suma, como uma consequência da “Evolução dos tempos”.

Temos também observado a incapacidade do poder local para defender, contra argumentar os sucessivos governos que todos eles tiveram a dada altura associados a um (mais um) qualquer encerramento ferroviário.

E assim temos vindo a ver o desaparecimento da rede ferroviária nacional principalmente no interior do país, nas zonas de menor densidade populacional. Os encerramentos são efetuados em simultâneo com a inauguração de uma qualquer infraestrutura rodoviária de compensação. Inicialmente apareceram os tapetes de betuminoso nas estradas nacionais, mais tarde o aparecimento dos Itinerários Principais, até às atuais Autoestradas, presentes em todas as regiões do país, afinal, mesmo nas zonas de muito baixa densidade populacional.

A substituição do modo ferroviário pelo rodoviário, era (é), apresentada às populações, como uma “Evolução” inevitável. O comboio nestas regiões votado muitos anos a um abandono, falta de investimento e de atualização técnica, passou a ser apresentado politicamente como algo para abater naturalmente. O entretanto aparecimento das redes de alta velocidade e posteriormente a revolução dos serviços regionais de passageiros por via-férrea, obrigou a uma mudança de argumentação: os vultuosos investimentos da ferrovia em relação à rodovia e a sua inadaptação económica aos pequenos tráfegos.
A estes argumentos apresentava-se o caminho-de-ferro como apenas viável para o transporte de mercadorias e de passageiros apenas nos eixos com elevada densidade populacional. E assistimos todos ao desmantelamento de inúmeros serviços ferroviários, linhas e ramais que constituíam uma infraestrutura regulada de transporte do país, para em seu lugar inicialmente ser substituída: por um conjunto de carreiras de camionagem hoje já consumidas por uma eficiência inferior ao das originais linhas ferroviárias e finalmente pelo automóvel (transporte próprio).

Mas o que é interessante é que a ideia/argumento da “evolução” resultou (pegou); sendo ainda hoje um argumento válido. As estações ferroviárias encerraram, rapidamente se transformando em lugares degradados (mausoléus) votados ao abandono. As consequências para o transporte público foram nefastas. As próprias empresas de camionagem cedo se aperceberam que o caminho-de-ferro concentrava os seus clientes entregando-os a estas para efetuarem a distribuição (complementaridade). Assim vê-se em muitos casos, as estações ferroviárias deixarem de ser os terminais da carreiras rodoviárias, empresas que agora passavam a ter mais dificuldade na captação dos seus clientes, que passaram a estar dispersos.

O passar do tempo, em alguns casos mais do que uma década, levou a que se perdesse a noção de que no passado aquelas infraestruturas ferroviárias apresentavam um serviço eficiente, hoje apenas recordado pelas gerações mais idosas. Apareciam por vezes raras fotografias das antigas estações e recintos anexos, locais atualmente desertos, cheias de população numa azáfama diária irreal para o que hoje se observa.

Os autarcas passaram a ser obrigados a efetuarem a manutenção dos antigos edifícios das estações de caminho-de-ferro, afinal na sua maioria classificados como património devido à sua arquitetura ou azulejaria. Estes edifícios passaram a apresentar-se como museus representativos de uma época passada dum comboio associado ao passado. E assistimos ao aparecimento de cidades que inclusivamente se apresentavam como estando um passo-à-frente das restantes por já terem evoluído para uma solução de acessibilidade única rodoviária.

O que impressionava à data, e ainda hoje, é o fato de todos (poder político inclusive) passarem esta ideia da “evolução” em que aparentemente ingenuamente acreditavam.

Mas a “evolução” não parou e todos nós conhecemos o que se seguiu. A seguir ao caminho-de-ferro seguiram-se as reduções dos serviços de saúde com encerramento de maternidades, urgências hospitalares, unidades de cuidados de saúde. Na educação caracterizou-se pela redução (encerramento) de todo um conjunto de escolas. Enfim, os encerramentos ferroviários iniciaram um ciclo vicioso de abandonos, que passou também aos Correios, Tribunais, entre outros que se seguirão, apesar de não nos faltarem quilómetros de autoestradas, duplicadas por itinerários principais e das estradas-nacionais, algumas até ainda em muito bom estado.

Ainda hoje a “evolução” que justificou o encerramento do caminho-de-ferro em Portugal contrariando as tendências mundiais não foi elencada/assumida ao que afinal deverá ser encarado como uma “Despromoção Urbana” ou mesmo regional, de muitas das nossas cidades e regiões do país, não forçosamente do interior.

A retirada do modo ferroviário de uma região não é consequência da “Evolução”. A retirada do comboio, modo de transporte atual associado e motor de desenvolvimento de países e regiões desenvolvidas do globo, inicia uma consequente “cascata” de encerramentos/retirada de serviços (ciclo vicioso imparável); no fundo inicia o que constitui uma “Despromoção” para toda uma região. Enquanto esta realidade não for encarada, dificilmente se inverterá todo este processo de desertificação de algumas regiões do nosso país.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

O (des)INVESTIMENTO FERROVIÁRIO EM PORTUGAL, VISTO DE FORA E DE DENTRO (1)

Restos da Linha do Corgo, Vila Real



Um estudo trienal sobre a "perfomance" dos sistemas ferroviários Europeus, da autoria do Boston Consulting Group, colocava o caminho de ferro Português no penúltimo lugar, num conjunto de cerca de vintena e meia de diferentes redes. Os resultados do estudo

https://www.bcgperspectives.com/content/articles/transportation_travel_tourism_public_sector_european_railway_performance_index/


foram tornados públicos no final de Abril de 2015, e, entre as várias conclusões, apontaram para o carácter determinante do papel dos Estados, no investimento em infraestrutura ferroviária, como variável de maior significado, no sentido de conferir competitividade ao modo ferroviário.

Em Portugal, e na era da Integração Europeia, o sub-investimento ferroviário foi sempre a marca determinante deixada, de forma geral, por todos os Governos. Em maior ou menor expressão, todos os Executivos que (des)governaram o país, sobretudo nos períodos mais fartos fluxos de Fundos Comunitários provenientes de Bruxelas, consagraram toda a tónica da sua actuação em termos de política de transportes, na construção de infraestrutura rodoviária, e fomento do transporte individual, enterrando a economia na dependência de importações de combustíveis fósseis. Todavia, nem todos os Governos tiveram idêntica práxis, com alguns curtos períodos de investimento, centrados em eventos únicos, tais como a Expo98 e o EURO2004, a funcionarem como mola impulsionadora para um conjunto de melhorias muito localizadas, as quais teriam como tónica principal, a extensão das catenárias, particularmente ao longo do eixo Braga-Faro.

Um olhar sobre a forma de como actuaram os governos e desgovernos de Portugal, relativamente ao (des)investimento ferroviário pode alcançar-se através da análise sucinta dos fluxos de investimento, a partir da base de dados estatística do International Transport Forum (OECD/OCDE), disponíveis em 

http://stats.oecd.org/Index.aspx?themetreeid=24&datasetcode=ITF_INV-MTN_DATA


1. O Tardo-Cavaquismo: os últimos anos de uma governação infame

Primeiro-Ministro: Aníbal Cavaco Silva
Ministro dos Transportes: Joaquim Ferreira do Amaral


Nunca será demais relembrar que os anos mais negros da História ferroviária de Portugal tiveram início com os governos Cavaco Silva, de maioria absoluta. Afastado o primeiro dos seus Ministros dos Transportes (João Maria Oliveira Martins), que cedo preconizava a construção de uma nova linha Lisboa-Porto, com características de LAV, no sentido de resolução definitiva dos problemas estruturais da linha clássica existente, Joaquim Ferreira do Amaral, foi, assumidamente, um Ministro anti-ferroviário, justamente numa altura crucial, em que a Alta Velocidade ferroviária chegava à Península Ibérica, e quando Portugal beneficiava das mais generosas comparticipações de dinheiros de Bruxelas, teoricamente destinados à "modernização dos sistema de transportes do país", como um todo, mas, na prática, aplicados quasi-exlusivamente em estradas e auto-estradas. Enquanto que o Ministro dos Transportes afirmava cinicamente que "o caminho de ferro era o transporte do futuro", a sua tutela ia fazendo das estradas e das autoestradas o "transporte do presente". É com Cavaco-Amaral que surgem os chamados PRNs (Planos Rodoviários Nacionais), aceites unanimemente por todas as forças políticas, e com grande suporte à escala autárquica, ávida de dinheiros, que uma Lei das Finanças Locais perversa, com um FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro) estabelecido parcialmente em função de Kms de estrada existentes (e não em critérios de mobilidade), vinha alimentando ferozmente. Ao mesmo tempo que o poder não se mostrava interessado na existência de um Plano Ferroviário Nacional, a tutela afastava os técnicos de um projecto desastroso de "modernização da Linha do Norte", com introdução de composições basculantes, de "pendulação activa", cujas prestações se iriam, mais tarde, revelar decepcionantes. Entretanto, iniciava-se o desmantelamento da rede ferroviária nacional.

De 1988 a 1995, os governos Cavaco encerraram as seguintes linhas ou troços:

- Valença-Moção, da Linha do Minho
- Pocinho-Barca de Alva, da Linha do Douro
- Amarante-Arco de Baúlhe (via métrica), da Linha do Tâmega
- Vila Real-Chaves (via métrica), da Linha do Corgo
- Mirandela-Bragança (via métrica), da Linha do Tua
- Santa Comba-Dão-Viseu (via métrica), da Linha do Dão e Viseu-Sernada do Vouga (via métrica), da Linha do Vouga, deixando Viseu como a maior cidade da Europa Continental sem comboio
- Pinhal Novo-Montijo (totalidade do Ramal do Montijo)
- Torre da Gadanha-Montemor (totalidade do Ramal de Montemor)
- Évora-Estremoz-Vila Viçosa, da Linha de Évora (manutenção de mercadorias a Estremoz)
- Estremoz-Portalegre (Ramal de Portalegre, com manutenção de mercadorias Estremoz-Fronteira)
- Évora-Reguengos de Monsaraz (totalidade do Ramal de Reguengos)
- Beja-Moura (totalidade do Ramal de Moura)
- Ermidas-Sado-Sines (totalidade do Ramal de Sines a passageiros).

O que foi o "investimento ferroviário" no decurso dos negros anos de governação Cavaco? As Estatísticas da OCDE não estão disponíveis para o período em causa, tendo-nos socorrido de um painel obtido a partir da Base de Dados RAILISSA, da UIC (presentemente indisponível), através da qual, foi possível estabelecer uma comparação do investimento ferroviário em Portugal, com alguns dos seus mais importantes parceiros Europeus, com os Valores a serem expressos em MILHÕES DE EUROS, a preços constantes.




1992
1993
1994
1995
Austria (Ferrov.Fed)
640
788
696
521
Belgica
304
545
534
668
Dinamarca
723
819
753
726
Finlândia
174
161
213
226
França
3.601
3.388
2.840
2.766
Alemanha
4.673
4.852
5.471
5.747
Irlanda
16
25
29
29
Luxemb.
14
11
19
23
PORTUGAL
114
126
156
196
Espanha (RENFE)
973
832
772
648
Suíça(Ferrov.Fed.)
815
991
1.056
1.079
Grã-Bretanha.(ATOC)
3.175
2.346
2.579
2.415
Média
1268,5
1240,333
1259,833
1253,667
 Fonte: UIC, Base de dados RAILISSA

O quadro apresentado não podia ser mais evidente, quanto aos nefastos efeitos, que a governação Cavaco Silva teve no sector ferroviário em Portugal. Nestes últimos anos deste funesto período da História recente de Portugal, o investimento ferroviário anual correspondeu a aproximadamente UM DÉCIMO DA MÉDIA EUROPEIA, em idêntico período. Países como a Dinamarca, Espanha, a Áustria e a Suíça oscilaram entre os 60 a 80% da média Europeia, ao mesmo tempo que a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, suplantavam claramente a média no mesmo tempo (a Grã-Bretanha estava particularmente envolvida no projecto do "Channel Tunnel", após o acordo Thatcher-Mitterrand, com a França e a Alemanha a avançarem claramente na Alta Velocidade Ferroviária). Em Espanha, nota-se algum abrandamento, após 1992, ano da Exo92 e da abertura da sua primeira LAV, de Madrid a Sevilha. Se não se contar com o caso específico do Luxemburgo, dada a sua pequena dimensão geográfica, poderá dizer-se que, do painel observado, apenas a Irlanda se queda numa posição pior do que Portugal, no mesmo período. Estas observações, pecam, evidentemente, por não considerarem o ponto de partida do grau de capitalização de cada um dos sistemas ferroviários em causa. No caso de Portugal, os problemas de sub-investimento cumulativo, eram - infelizmente - bem anteriores à era do cavaquismo.

(Continua)

domingo, 14 de junho de 2015








SUBSÍDIOS PARA UM NOVO CAMINHO DE FERRO

NA REGIÃO DO ALENTEJO (1B)


4. A evolução das deslocações regulares no Alentejo, de 1981 à actualidade

Como indicador mais óbvio da evolução das deslocações inter-concelhias, desde 1981 até à actualidade (2007), utilizaremos as migrações pendulares diárias (ambos os sentidos), registadas nos eixos correspondentes aos troços ferroviários sob análise.


4.1. Evolução das migrações pendulares Évora-Reguengos de Monsaraz

Eixo Évora-Reguengos: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Évora-Reguengos
187
333
581
Fonte: INE – Censos da População

As deslocações diárias entre Évora e Reguengos de Monsaraz apresentam-se em 2007, o triplo daquilo que eram quase três décadas antes, apesar do efectivo populacional no mesmo eixo (ponto 3.1), ter crescido apenas 4,8%, ao longo do mesmo período temporal.



4.2. Evolução das migrações pendulares Évora-Estremoz

Eixo Évora-Estremoz: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Évora-Estremoz
83
171
392
Fonte: INE – Censos da População

Num período de mais de um quarto de século, a meio do qual o modo de transporte ferroviário desapareceu do eixo em análise, as viagens diárias entre Évora e Estremoz quase quintuplicaram, ao mesmo tempo que o efectivo demográfico agregado do eixo permaneceu estagnado.

4.3. Evolução das migrações pendulares Estremoz-Borba-Vila Viçosa

Eixo Estremoz-Borba-Vila Viçosa: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Estremoz-V.Viçosa
138
231
257
Estremoz-Borba
415
478
518
Borba-Vila Viçosa
462
740
851
AGREGADO
1015
1449
1626
Fonte: INE – Censos da População

Num eixo urbano que - para já – parece ter prescindido da via férrea que o servia (com a sua conversão em ciclopista), o agregado de migrações pendulares diárias apresentou-se 60% mais elevado em 2007 do que em 1981 (época de plena exploração ferroviária), contrastando com uma diminuição aproximada de 12% da população residente no mesmo período.


4.4. Evolução das migrações pendulares Beja-Serpa-Moura

Eixo Beja-Serpa-Moura: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Beja-Moura
50
77
225
Beja-Serpa
170
284
579
Serpa-Moura
208
193
313
AGREGADO
428
554
1117
Fonte: INE – Censos da População

No eixo urbano do Alentejo que mais população perdeu no período quase equivalente (praticamente -16%), as migrações pendulares diárias são hoje, em magnitude, o dobro de aquelas que existiam em 1991, aproximadamente a época de suspensão dos serviços ferroviários de passageiros (1990).

4.5. Evolução das migrações pendulares Estremoz-Sousel-Portalegre

Eixo Estremoz-Sousel-Portalegre: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Estremoz-Sousel
271
218
334
Estremoz-Port. (a)
0
0
0
AGREGADO
271
218
334
Fonte: INE – Censos da População (a) – excluindo Évora-Estremoz-Portalegre

Apesar do comportamento do fluxo regular diário de passageiros entre Estremoz e a vizinha cidade de Sousel não apresentar um ciclo de crescimento regular, é de assinalar que uma eventual tendência de retracção no período 1981-91 (-20%), é de seguida largamente compensada (+53%, de 1991 a 2007). Uma vez mais, o aumento significativo de viagens diárias não acompanha o declínio (-14%) da população residente, verificado entre 1981 e 2004.


4.6. Evolução das migrações pendulares em parte da Linha do Leste

Destacam-se, entre 1981 e 2007, as viagens diárias de algumas relações centradas em Portalegre, no mesmo eixo de concelhos, através dos quais discorre a Linha do Leste, em pleno funcionamento, ressalvando-se a particularidade do carácter excêntrico de que padece o ponto de acesso e egresso da capital de distrito à rede ferroviária.

Eixo Ponte de Sôr-Portalegre-Elvas: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Portalegre-Elvas
13
40
221
Portalegre-P.de Sôr
0
28
0
Portalegre-Arr.
160
172
239
Portalegre-Crato
175
194
265
AGREGADO
348
434
725
Fonte: INE – Censos da População

Quando o conjunto de todos estes concelhos perdeu população em cerca de 10%, de 1981 a 2004, as deslocações diárias da maior parte dos mesmos de e para Portalegre cresceram significativamente, exceptuando-se o caso de Ponte de Sôr. De 1981 a 2007, as migrações pendulares quase duplicaram.


4.7. Um novo fenómeno de mobilidade interna: as migrações pendulares entre capitais de distrito

Se existe uma alteração estrutural significativa completamente nova no padrão de deslocações internas na Região do Alentejo, ela poderá traduzir-se na emergência de viagens regulares diárias entre as Capitais de Distrito:





Migrações pendulares entre capitais de distrito no Alentejo

1981
1991
2007
Évora-Portalegre
8
36
218
Évora-Beja
42
133
442
Fonte: INE – Censos da População


4.8. Um novo fenómeno de mobilidade externa; migrações pendulares a grande distância, entre Lisboa e Évora

Eixo Évora-Lisboa: Deslocações diárias – Todos os modos

1981
1991
2007
Évora-Lisboa
73
175
1258
Fonte: INE – Censos da População

O aumento muito significativo ocorrido entre 1991 e 2007 (o séptuplo do período anterior), denota bem os efeitos da redução muito significativa da redução do custo generalizado na procura geral, de um determinado eixo urbano. Neste caso, é bem patente o efeito da abertura da auto-estrada A6, em 1998, num período já de completa obsolescência e marginalidade das relações ferroviárias Évora-Barreiro, discorrendo parcialmente num troço Évora-Casa Branca em condição de quase-ruína (assim permanecendo até 2006), e ainda sujeitas ao anacrónico transbordo fluvial, como forma de acesso à capital. Afigura-se interessante ilustrar, a nível meramente indicativo, a Elasticidade da Procura em ordem ao Tempo e ao Custo Generalizado, decorrente do encurtamento da distância-tempo entre Lisboa e Évora, mesmo ressalvando-se o facto de que poderão existir outras variáveis explicativas, cujo efeito combinado resultou na geração de viagens pendulares completamente novas, num passado recente.
  

Características das deslocações rodoviárias pendulares Lisboa-Évora e v.v.

Ant. a 1998 (EN4)
Actualidade, via A6
Var. 2010/98
Distância física (Km)
153
133
-20
Custo directo € (a)
15
22
+7
Tempo (min.) (a)
165
95
-70 (ou -42%)
Valor do Tempo (b)
21€/h (35 ct/min)
21€/h (35 ct/min)
-
Custo Generalizado €
72,75
55,25
-17,50 (ou -24%)
(a)    Via Michelin, para uma viatura particular; (b) Van Essen et al. (2004)

Ao aumento de cerca de 619% nas migrações pendulares diárias, entre 1991 e a quase-actualidade, corresponde uma Elasticidade de -14,71, em ordem à variável “Tempo”, e de -25,79, relativamente ao “Custo Generalizado”.

Muito embora seja necessário considerar o facto de que o fenómeno da “pendularidade” crescente entre Lisboa e Évora não poderá explicar-se exclusivamente pela redução temporal (e consequentemente pela diminuição de Custo Generalizado), com outros fenómenos como o desfasamento crescente entre local de habitação e mercado de trabalho, ou o desenvolvimento residencial de tipo “peri-urbano”, a concorrer de forma importante para a ocorrência do fenómeno, estas estimativas muito elementares, possuem todavia um valor indicativo relevante. Elas sugerem o que poderá constituir, na prática, a nova realidade de uma capital de distrito Alentejana, distando apenas 35 minutos (45 minutos para o centro da cidade) da Gare do Oriente, por intermédio da Alta Velocidade ferroviária.

E, por arrasto, o reposicionamento funcional de centros urbanos circundantes, como Reguengos de Monsaraz ou Estremoz. A possibilidade real da função das valências distributivas em Évora-Norte, assentarem quase exclusivamente em modos rodoviários, deixa antever um cenário de – parafraseando Whitelegg (1996) -“poluição temporal”, e eventual ocorrência de fenómenos congestionamento, transpostos da Área Metropolitana de Lisboa para a escala local.
  

4.9. Observações gerais

A informação estatística é inequívoca, no sentido de invalidar por completo os pressupostos enunciados em 2. b). Não existe qualquer tipo de correlação estatística entre uma pretensa “desertificação” do Alentejo e uma hipotética diminuição do número de viagens regulares entre os diversos centros urbanos da Região, designadamente, aqueles que até 1990 se articulavam funcionalmente por intermédio de oferta ferroviária. Em todos os casos analisados há um aumento considerável em termos absolutos e relativos, do número de passageiros diários inter-concelhios, reflectindo o efeito de variáveis como a polarização da oferta de emprego/possibilidades de estudo num número restrito de centros urbanos, onde emergem as capitais de distrito. O exemplo do eixo Beja-Serpa-Moura, que de 1981 até à quase-actualidade perdeu 16% da sua população agregada, mas ainda assim, denotando um aumento de viagens pendulares quase triplo no mesmo período, é no contexto do Alentejo, paradigmático.


5. A evolução da oferta de transporte público nos corredores ferroviários desactivados

Poder-se-á argumentar que, apesar da evolução favorável dos fluxos de passageiros regulares entre os diversos municípios do Alentejo, servidos pelo modo ferroviário até 1990, a sua dimensão, em termos absolutos (ao que se adicionará um número de deslocações esporádicas), continua sendo demasiadamente reduzida, apresentando-se assim válida a premissa enunciada em 2. c), muito repetida, na época (e não só), para justificar no meio institucional, o fecho de vias férreas: “O modo autocarro substituirá “convenientemente” a oferta ferroviária suprimida”. Para se entender a validade (ou não) deste pressuposto, é necessário comparar a estrutura da oferta de transporte ferroviário anterior a 1990 em alguns destes eixos, e a sua sucedânea da actualidade.


Oferta de Transporte Público em eixos seleccionados do Alentejo

Ano de 1981
Actualidade (2010)
Évora-Reguengos de Monsaraz

Ramal de Reguengos, sem serviço em 2010

6 serviços diários por sentido de 2ªa6ª feira, 4 serviços diários ao fim de semana; oferta de 3 automotoras e 3 combóios, 2 dos quais directos de/a Barreiro.
Duração: 1h12mn
De 2ªa6ª feira: 3 serviços de autocarro por sentido, ao que se junta um extra num só sentido em período escolar. Ao fim de semana: não há serviços.
Duração: 1h15mn
Évora-Estremoz

Linha de Évora, sem serviço em 2010
3 automotoras diárias em cada sentido; 1 combóio diário em cada sentido, directo de/a Barreiro. Duração: 1h15mn.
De 2ªa6ª feira: 2 serviços de autocarro por sentido (3 no período escolar). Ao fim de semana: não há serviços.
Duração: 1h17mn
Estremoz-Borba-Vila Viçosa

Linha de Évora, convertida em ciclopista

4 automotoras diárias em cada sentido, das quais 1 directa de/a Portalegre; 1 combóio diário em cada sentido, directo de/a Barreiro. Duração: 0h20mn.
De 2ªa6ª feira: 2 serviços de autocarro por sentido (3 no período escolar). Ao fim de semana: não há serviços.
Duração: 0h30mn
Beja-Serpa-Moura

Ramal de Moura, sem serviço em 2010

6 serviços diários em cada sentido, de 2ªa6ª feira, sendo 5 automotoras e 1 combóio; 5 automotoras por sentido aos fim de semana.
Duração: 1h15mn
De 2ªa6ª feira: 6 a 5 serviços de autocarro por sentido. Ao Sábado, 2 serviços por sentido; ao Domingo, 1 serviço por sentido.
Duração: 1h30mn
Estremoz-Sousel-Portalegre-estação

Ramal de Portalegre-estação, sem serviço em 2010
3 automotoras diárias em cada sentido, das quais uma relação directa Portalegre-Vila Viçosa e outra dirigida a Évora, Beja, Funcheira e Faro.
Duração: 1h10mn
De 2ªa6ª feira: 1 serviço por sentido. Ao fim de semana: não há serviços.

Duração: 1h52mn
Fontes: Guia Horário Oficial e www.rodalentejo.pt

Para quem defende a ideia de que o modo autocarro substituiu “convenientemente” a oferta ferroviária, o quadro comparativo que se apresenta deverá dar que pensar, levantando diversas interrogações. Se de facto a premissa do ponto 2. c) fosse verdadeira, seria – no mínimo – expectável que a oferta de transportes públicos nos eixos onde a ferrovia cessou operações, fosse a mesma, transposta naturalmente para o modo “autocarro”.

Mas o que se observa é uma inexorável retracção do transporte público disponível, num quadro em que, como se demonstrou anteriormente, o mercado das viagens pendulares se expandiu de forma significativa. À excepção do eixo Beja-Serpa-Moura, todos os restantes, onde se encontram várias cidades Alentejanas, não têm qualquer tipo de oferta ao fim de semana, numa Região relativamente à qual os Poderes Públicos falam incessantemente na necessidade de promoção... das potencialidades turísticas! Esta é a realidade no terreno em pleno séc.XXI, no início da sua segunda década, num país onde os meios políticos tanto simpatizam com slogans como “vá de transporte público, goze a viagem”, ou se promovem grandes eventos, proclamando a “importância da mobilidade sustentável”.

A falsidade da “conveniência” da substituição de comboios por autocarros não é novidade, tendo sido há muito constatada a inexistência de “elasticidade cruzada” (capacidade de substituição inter-modal) entre o autocarro e o automóvel particular. No auge do famigerado “Beeching Plan” Britânico, em que a “bustitution” ditava as suas leis, fazendo sucumbir quase metade dos 32000 Km da rede ferroviária da Grã-Bretanha ao longo dos anos 60 do séc.XX, também se sustentava a convicção de que os “interfaces” em pontos seleccionados, num número restrito de ferrovias sobreviventes, iriam permitir uma “coordenação eficiente” entre o transporte público ferroviário e rodoviário. E, como demonstrariam vários autores, destacando-se Dodgson (cit. in Henshaw, 1991), as potenciais deslocações em “bus-feeders”, seriam presa fácil da viatura particular, fazendo com que simultaneamente os troncos ferroviários principais definhassem: uma estratégia de transportes autofágica, com consequências ruinosas em simultâneo para operadores ferroviários e rodoviários, paulatinamente promovida por Estados interessados num crescimento económico alicerçado na venda de viaturas e consumo de combustíveis fósseis, geradores de receita fiscal – por ora isenta do efeito da aplicação de “ecotaxas”.

Para concorrer com o automóvel, o transporte público dificilmente poderá prescindir dos atributos de conforto e fiabilidade que garante o transporte em sítio próprio. Hoje, o modo “autocarro” no Alentejo afigura-se incapaz de combater contra o automóvel privado, atendendo exclusivamente aos segmentos de mercado “cativos”, consistindo na população idosa, e/ou, de fracos recursos, assim como os estudantes sem carta de condução. De resto, poderá trazer-se para o plano do Alentejo, e em jeito de comparação, os exemplos dos serviços rodoviários de substituição, colocados no terreno na mesma época, aquando da desactivação de linhas férreas em outros pontos do país: qual é hoje (2010), o paradeiro dos autocarros que tomaram o lugar das defuntas linhas do Sabor, Tua, Corgo, Tâmega, Vouga e Dão, estas duas últimas, deixando ficar, com a sua desactivação, Viseu na condição da maior cidade do Continente Europeu, sem qualquer ligação ferroviária?


 6. O “custo evitável”: uma monumental falácia

O último dos pressupostos (2. d) ) que justificou o fim de serviços ferroviários em múltiplos corredores urbanos na Região do Alentejo, e cuja pretensa validade continua hoje sendo invocada, como justificação para uma não reabertura, nos círculos dos Poderes Públicos, tem a ver com o estado da obsolescência da infra-estrutura, já de si muito degradada, e condicionante da obtenção de melhores “perfomances”, na época em que se suspenderam os serviços – mesmo assim não melhoradas actualmente, pela “alternativa” rodoviária.

Poucas linhas se dedicam a esta argumentação absurda. Um Estado que, quer por via da sua Administração Central, quer por intermédio das Autarquias Locais, não se demite de reparar periodicamente pavimentos e sinalização de estradas, assegurando igualmente o seu policiamento, tem uma atitude completamente distinta, relativamente a troços de vias férreas? Estranho critério num quadro dominante em que é “correcto” fazer-se profissão de fé na “eficiência das políticas integradas”. Quando, ao mesmo tempo se destrói dinheiro público, cifrando-se em algumas centenas de milhares de Euros por quilómetro, desmantelando infra-estruturas ferroviárias existentes, para as converter em ciclopistas, sem critério de racionalidade socio-económica. Qual será a capitação dos montantes investidos (e respectivo retorno), atendendo ao número real diário de utilizadores destes “elefantes-brancos”? Alguém poderá dar esta resposta?

A argumentação com base no “custo evitável” é de todo inaceitável, e ela-própria também foi abandonada em vários países Europeus, entre os quais o Reino Unido. Em Inglaterra, Gales ou Escócia, no auge da “Era Beeching”, os “avoidable costs” de uma determinada linha férrea eram imediatamente invocados para a colocar num estatuto de “Proposed for Closure” (Proposta para Encerramento), independentemente do seu tráfego real ou potencial. Todavia, países há ainda na Europa, onde a importação de modelos falidos e expirados há mais de três décadas, parece continuar a ter plena saída.

7. Conclusão à Primeira Parte

Uma nova era para o caminho de ferro no Alentejo é não apenas desejável, mas igualmente possível. Não é concebível que, no advento da integração da Região na Rede Transeuropeia de Alta Velocidade, através de dois pontos de acesso e egresso em Évora-Norte-AV e Caia-AV, a estrutura da oferta de transporte público à escala local, se mantenha na forma idêntica à de um país em vias de desenvolvimento, com uma rede ferroviária convencional definhada, e todo o demais território, incluindo vários centros urbanos de carácter estruturante, entregue ao domínio absoluto da viatura particular, contra o qual, uma camionagem mínima, remetida para segmentos de mercado cativos, nada consegue fazer.

Na segunda parte do presente trabalho, veremos como, à luz da experiência de diversos países Europeus, com destaque para a Alemanha, a contratualização de serviços e o “livre-acesso” à infra-estrutura ferroviária, conjugados com todo um conjunto de inovações técnicas, desconhecidas em Portugal, abriram portas a uma nova era de expansão e fortalecimento dos serviços ferroviários regionais. E como, no desenvolvimento desse mesmo processo, tiveram (e continuam tendo) um papel crucial os operadores rodoviários existentes no terreno.

(Continua)