quinta-feira, 18 de junho de 2015

O (des)INVESTIMENTO FERROVIÁRIO EM PORTUGAL, VISTO DE FORA E DE DENTRO (1)

Restos da Linha do Corgo, Vila Real



Um estudo trienal sobre a "perfomance" dos sistemas ferroviários Europeus, da autoria do Boston Consulting Group, colocava o caminho de ferro Português no penúltimo lugar, num conjunto de cerca de vintena e meia de diferentes redes. Os resultados do estudo

https://www.bcgperspectives.com/content/articles/transportation_travel_tourism_public_sector_european_railway_performance_index/


foram tornados públicos no final de Abril de 2015, e, entre as várias conclusões, apontaram para o carácter determinante do papel dos Estados, no investimento em infraestrutura ferroviária, como variável de maior significado, no sentido de conferir competitividade ao modo ferroviário.

Em Portugal, e na era da Integração Europeia, o sub-investimento ferroviário foi sempre a marca determinante deixada, de forma geral, por todos os Governos. Em maior ou menor expressão, todos os Executivos que (des)governaram o país, sobretudo nos períodos mais fartos fluxos de Fundos Comunitários provenientes de Bruxelas, consagraram toda a tónica da sua actuação em termos de política de transportes, na construção de infraestrutura rodoviária, e fomento do transporte individual, enterrando a economia na dependência de importações de combustíveis fósseis. Todavia, nem todos os Governos tiveram idêntica práxis, com alguns curtos períodos de investimento, centrados em eventos únicos, tais como a Expo98 e o EURO2004, a funcionarem como mola impulsionadora para um conjunto de melhorias muito localizadas, as quais teriam como tónica principal, a extensão das catenárias, particularmente ao longo do eixo Braga-Faro.

Um olhar sobre a forma de como actuaram os governos e desgovernos de Portugal, relativamente ao (des)investimento ferroviário pode alcançar-se através da análise sucinta dos fluxos de investimento, a partir da base de dados estatística do International Transport Forum (OECD/OCDE), disponíveis em 

http://stats.oecd.org/Index.aspx?themetreeid=24&datasetcode=ITF_INV-MTN_DATA


1. O Tardo-Cavaquismo: os últimos anos de uma governação infame

Primeiro-Ministro: Aníbal Cavaco Silva
Ministro dos Transportes: Joaquim Ferreira do Amaral


Nunca será demais relembrar que os anos mais negros da História ferroviária de Portugal tiveram início com os governos Cavaco Silva, de maioria absoluta. Afastado o primeiro dos seus Ministros dos Transportes (João Maria Oliveira Martins), que cedo preconizava a construção de uma nova linha Lisboa-Porto, com características de LAV, no sentido de resolução definitiva dos problemas estruturais da linha clássica existente, Joaquim Ferreira do Amaral, foi, assumidamente, um Ministro anti-ferroviário, justamente numa altura crucial, em que a Alta Velocidade ferroviária chegava à Península Ibérica, e quando Portugal beneficiava das mais generosas comparticipações de dinheiros de Bruxelas, teoricamente destinados à "modernização dos sistema de transportes do país", como um todo, mas, na prática, aplicados quasi-exlusivamente em estradas e auto-estradas. Enquanto que o Ministro dos Transportes afirmava cinicamente que "o caminho de ferro era o transporte do futuro", a sua tutela ia fazendo das estradas e das autoestradas o "transporte do presente". É com Cavaco-Amaral que surgem os chamados PRNs (Planos Rodoviários Nacionais), aceites unanimemente por todas as forças políticas, e com grande suporte à escala autárquica, ávida de dinheiros, que uma Lei das Finanças Locais perversa, com um FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro) estabelecido parcialmente em função de Kms de estrada existentes (e não em critérios de mobilidade), vinha alimentando ferozmente. Ao mesmo tempo que o poder não se mostrava interessado na existência de um Plano Ferroviário Nacional, a tutela afastava os técnicos de um projecto desastroso de "modernização da Linha do Norte", com introdução de composições basculantes, de "pendulação activa", cujas prestações se iriam, mais tarde, revelar decepcionantes. Entretanto, iniciava-se o desmantelamento da rede ferroviária nacional.

De 1988 a 1995, os governos Cavaco encerraram as seguintes linhas ou troços:

- Valença-Moção, da Linha do Minho
- Pocinho-Barca de Alva, da Linha do Douro
- Amarante-Arco de Baúlhe (via métrica), da Linha do Tâmega
- Vila Real-Chaves (via métrica), da Linha do Corgo
- Mirandela-Bragança (via métrica), da Linha do Tua
- Santa Comba-Dão-Viseu (via métrica), da Linha do Dão e Viseu-Sernada do Vouga (via métrica), da Linha do Vouga, deixando Viseu como a maior cidade da Europa Continental sem comboio
- Pinhal Novo-Montijo (totalidade do Ramal do Montijo)
- Torre da Gadanha-Montemor (totalidade do Ramal de Montemor)
- Évora-Estremoz-Vila Viçosa, da Linha de Évora (manutenção de mercadorias a Estremoz)
- Estremoz-Portalegre (Ramal de Portalegre, com manutenção de mercadorias Estremoz-Fronteira)
- Évora-Reguengos de Monsaraz (totalidade do Ramal de Reguengos)
- Beja-Moura (totalidade do Ramal de Moura)
- Ermidas-Sado-Sines (totalidade do Ramal de Sines a passageiros).

O que foi o "investimento ferroviário" no decurso dos negros anos de governação Cavaco? As Estatísticas da OCDE não estão disponíveis para o período em causa, tendo-nos socorrido de um painel obtido a partir da Base de Dados RAILISSA, da UIC (presentemente indisponível), através da qual, foi possível estabelecer uma comparação do investimento ferroviário em Portugal, com alguns dos seus mais importantes parceiros Europeus, com os Valores a serem expressos em MILHÕES DE EUROS, a preços constantes.




1992
1993
1994
1995
Austria (Ferrov.Fed)
640
788
696
521
Belgica
304
545
534
668
Dinamarca
723
819
753
726
Finlândia
174
161
213
226
França
3.601
3.388
2.840
2.766
Alemanha
4.673
4.852
5.471
5.747
Irlanda
16
25
29
29
Luxemb.
14
11
19
23
PORTUGAL
114
126
156
196
Espanha (RENFE)
973
832
772
648
Suíça(Ferrov.Fed.)
815
991
1.056
1.079
Grã-Bretanha.(ATOC)
3.175
2.346
2.579
2.415
Média
1268,5
1240,333
1259,833
1253,667
 Fonte: UIC, Base de dados RAILISSA

O quadro apresentado não podia ser mais evidente, quanto aos nefastos efeitos, que a governação Cavaco Silva teve no sector ferroviário em Portugal. Nestes últimos anos deste funesto período da História recente de Portugal, o investimento ferroviário anual correspondeu a aproximadamente UM DÉCIMO DA MÉDIA EUROPEIA, em idêntico período. Países como a Dinamarca, Espanha, a Áustria e a Suíça oscilaram entre os 60 a 80% da média Europeia, ao mesmo tempo que a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, suplantavam claramente a média no mesmo tempo (a Grã-Bretanha estava particularmente envolvida no projecto do "Channel Tunnel", após o acordo Thatcher-Mitterrand, com a França e a Alemanha a avançarem claramente na Alta Velocidade Ferroviária). Em Espanha, nota-se algum abrandamento, após 1992, ano da Exo92 e da abertura da sua primeira LAV, de Madrid a Sevilha. Se não se contar com o caso específico do Luxemburgo, dada a sua pequena dimensão geográfica, poderá dizer-se que, do painel observado, apenas a Irlanda se queda numa posição pior do que Portugal, no mesmo período. Estas observações, pecam, evidentemente, por não considerarem o ponto de partida do grau de capitalização de cada um dos sistemas ferroviários em causa. No caso de Portugal, os problemas de sub-investimento cumulativo, eram - infelizmente - bem anteriores à era do cavaquismo.

(Continua)

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