quarta-feira, 24 de junho de 2015

Despromoção Urbana – Um Ponto de Vista I
“A Evolução”

Todos nós nas últimas décadas temos vindo a ser confrontados em Portugal com encerramentos de ramais e linhas de caminho-de-ferro, apresentados como uma inevitabilidade, em suma, como uma consequência da “Evolução dos tempos”.

Temos também observado a incapacidade do poder local para defender, contra argumentar os sucessivos governos que todos eles tiveram a dada altura associados a um (mais um) qualquer encerramento ferroviário.

E assim temos vindo a ver o desaparecimento da rede ferroviária nacional principalmente no interior do país, nas zonas de menor densidade populacional. Os encerramentos são efetuados em simultâneo com a inauguração de uma qualquer infraestrutura rodoviária de compensação. Inicialmente apareceram os tapetes de betuminoso nas estradas nacionais, mais tarde o aparecimento dos Itinerários Principais, até às atuais Autoestradas, presentes em todas as regiões do país, afinal, mesmo nas zonas de muito baixa densidade populacional.

A substituição do modo ferroviário pelo rodoviário, era (é), apresentada às populações, como uma “Evolução” inevitável. O comboio nestas regiões votado muitos anos a um abandono, falta de investimento e de atualização técnica, passou a ser apresentado politicamente como algo para abater naturalmente. O entretanto aparecimento das redes de alta velocidade e posteriormente a revolução dos serviços regionais de passageiros por via-férrea, obrigou a uma mudança de argumentação: os vultuosos investimentos da ferrovia em relação à rodovia e a sua inadaptação económica aos pequenos tráfegos.
A estes argumentos apresentava-se o caminho-de-ferro como apenas viável para o transporte de mercadorias e de passageiros apenas nos eixos com elevada densidade populacional. E assistimos todos ao desmantelamento de inúmeros serviços ferroviários, linhas e ramais que constituíam uma infraestrutura regulada de transporte do país, para em seu lugar inicialmente ser substituída: por um conjunto de carreiras de camionagem hoje já consumidas por uma eficiência inferior ao das originais linhas ferroviárias e finalmente pelo automóvel (transporte próprio).

Mas o que é interessante é que a ideia/argumento da “evolução” resultou (pegou); sendo ainda hoje um argumento válido. As estações ferroviárias encerraram, rapidamente se transformando em lugares degradados (mausoléus) votados ao abandono. As consequências para o transporte público foram nefastas. As próprias empresas de camionagem cedo se aperceberam que o caminho-de-ferro concentrava os seus clientes entregando-os a estas para efetuarem a distribuição (complementaridade). Assim vê-se em muitos casos, as estações ferroviárias deixarem de ser os terminais da carreiras rodoviárias, empresas que agora passavam a ter mais dificuldade na captação dos seus clientes, que passaram a estar dispersos.

O passar do tempo, em alguns casos mais do que uma década, levou a que se perdesse a noção de que no passado aquelas infraestruturas ferroviárias apresentavam um serviço eficiente, hoje apenas recordado pelas gerações mais idosas. Apareciam por vezes raras fotografias das antigas estações e recintos anexos, locais atualmente desertos, cheias de população numa azáfama diária irreal para o que hoje se observa.

Os autarcas passaram a ser obrigados a efetuarem a manutenção dos antigos edifícios das estações de caminho-de-ferro, afinal na sua maioria classificados como património devido à sua arquitetura ou azulejaria. Estes edifícios passaram a apresentar-se como museus representativos de uma época passada dum comboio associado ao passado. E assistimos ao aparecimento de cidades que inclusivamente se apresentavam como estando um passo-à-frente das restantes por já terem evoluído para uma solução de acessibilidade única rodoviária.

O que impressionava à data, e ainda hoje, é o fato de todos (poder político inclusive) passarem esta ideia da “evolução” em que aparentemente ingenuamente acreditavam.

Mas a “evolução” não parou e todos nós conhecemos o que se seguiu. A seguir ao caminho-de-ferro seguiram-se as reduções dos serviços de saúde com encerramento de maternidades, urgências hospitalares, unidades de cuidados de saúde. Na educação caracterizou-se pela redução (encerramento) de todo um conjunto de escolas. Enfim, os encerramentos ferroviários iniciaram um ciclo vicioso de abandonos, que passou também aos Correios, Tribunais, entre outros que se seguirão, apesar de não nos faltarem quilómetros de autoestradas, duplicadas por itinerários principais e das estradas-nacionais, algumas até ainda em muito bom estado.

Ainda hoje a “evolução” que justificou o encerramento do caminho-de-ferro em Portugal contrariando as tendências mundiais não foi elencada/assumida ao que afinal deverá ser encarado como uma “Despromoção Urbana” ou mesmo regional, de muitas das nossas cidades e regiões do país, não forçosamente do interior.

A retirada do modo ferroviário de uma região não é consequência da “Evolução”. A retirada do comboio, modo de transporte atual associado e motor de desenvolvimento de países e regiões desenvolvidas do globo, inicia uma consequente “cascata” de encerramentos/retirada de serviços (ciclo vicioso imparável); no fundo inicia o que constitui uma “Despromoção” para toda uma região. Enquanto esta realidade não for encarada, dificilmente se inverterá todo este processo de desertificação de algumas regiões do nosso país.

1 comentário:

  1. Aqui está um texto que retrata, com meridiana sageza, o estado-de-coisas a que chegou este país isolado no fim da Europa, cuja classe política de labregos decidiu jogar para a sucata o transporte ferroviário. Melhor exemplo não poderia ser dado por Barca de Alva, o ponto fronteiriço hoje dasativado, por onde discorre a via férrea que permanece, ainda hoje, como o caminho terrestre mais curto entre o Porto/Leixões, Madrid e a Europa além-Pirinéus. Enfim, as elites do portugal na segunda metade do séc.XXI são um monumental colecção de néscios, que passam pelo poder como autarcas, governantes, membros de conselhos e gerência e sociedades de advogados. É por isso que o caminho de ferro e o país não conseguem sair do buraco onde estão. Há que perpetuar e proteger uma economia parasita, em torno da venda de combustíveis fósseis.

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