Constrangimentos e
Potencial do Transporte Ferroviário
de Passageiros em Portugal,
com referência para o caso Irlandês
Uma Análise Comparativa
1. 1. Introdução
Ao longo das últimas três
décadas, o transporte ferroviário de passageiros de longo curso em Portugal tem
vindo a perder importância sucessivamente, a contraciclo da maior parte dos
restantes Estados-Membros da União Europeia. O presente documento visa analisar
sucintamente os constrangimentos do transporte ferroviário de passageiros
não-suburbano em Portugal, para tal se apoiando na comparação com outro
parceiro Europeu, no caso concreto, a República da Irlanda. A escolha de um
Estado-Membro da União Europeia como a República da Irlanda é fundamentada nas
suas características de sistema ferroviário insular, implantado num território
de dimensão aproximada à de Portugal Continental, embora possuindo uma
densidade populacional significativamente inferior. É frequente apontar-se a
“inaptidão” do transporte ferroviário para o território de Portugal, em virtude
das suas características demográficas, e desta forma, a comparação com outro
parceiro Europeu que, em muitos aspetos, encerra uma realidade bem mais
complexa, a começar pela insularidade, inexistente no contexto Ibérico,
afigura-se particularmente interessante. Muitas dificuldades de exploração de
um caminho de ferro de passageiros de longo curso, encontram pontos comuns, em
Portugal e na República da Irlanda, embora as abordagens de uns e outros
decisores políticos relativamente à ferrovia, encontrem consideráveis elementos
diferenciadores, e, consequentemente, resultados distintos.
2.
2. Os sistemas ferroviários da República da Irlanda
e de Portugal
Tanto a Irlanda como Portugal
apresentam sistemas ferroviários residuais, relativamente a períodos históricos
passados, nos quais cada um deles atingiu picos de cerca de 5600 Km e 3700 Km,
respetivamente.
A partição da Irlanda a partir
dos anos 20 do séc.XX constitui-se como fator desfavorável ao desenvolvimento
do transporte ferroviário, lançado no âmbito do Reino Unido, em 1834
(Dublin-Kingstown/Dún Laoghaire). A ausência de grandes indústrias, emigração e
rarefação populacional, colocaram condicionantes ao transporte ferroviário,
tanto na República como nos seis Condados do Ulster, que permaneceram no Reino
Unido, com a motorização crescente a fazer-se sentir a partir dos anos 30 do
séc.XX. Os sistemas ferroviários da Ilha foram sujeitos a vários processos de
“racionalização”, culminando no Benson Report na Irlanda do Norte (no qual 4/5
da rede ferroviária foram destruídos), e no Beddy Report, na República, o qual
praticamente consagrou um sistema de radiais com fulcro em Dublin,
complementados por uma grande concêntrica no Oeste, encerrada em grande parte
em 1976, e reaberta parcialmente mais de 30 anos depois. A ferrovia ativa na
República da Irlanda era em 2015 cerca de 1944 Km, dos quais apenas 56 Km, correspondendo
aos serviços suburbanos de Dublin, estavam eletrificados. Toda a restante ferrovia
da República da Irlanda é explorada a tração Diesel, e apenas dois corredores
radiais (Dublin-Cork e Dublin-Dundalk-(Belfast)), contam com via dupla em toda
a sua extensão (radiais como Dublin-Galway e Dublin-Longford-(Sligo)), contaram
no passado com 2ª via, a qual foi entretanto suprimida, no âmbito dos “programas
de racionalização”. Até ao final do séc.XX, o poder político resistiu
entretanto a mais propostas para amputações adicionais de grande escala à
ferrovia Irlandesa, designadamente as recomendações do McKinsey Report (1972),
as quais preconizando a redução do modo ferroviário a uma dimensão esquelética
e sem cobertura territorial fora dos eixos Dublin-Cork, Dublin-Galway e
Dublin-Belfast, ainda hoje é frequentemente aludida em certos círculos
políticos.
Em Portugal, a contração da rede
ferroviária apresenta-se como um fenómeno bastante mais recente, correspondendo
à era da Integração Europeia. Dos 3700 Km de rede existente à época da adesão
às Comunidades Europeias, em meados da década de 80 do séc.XX, restam
atualmente (2015), cerca de 2400 Km, que já não formam sequer uma rede
ferroviária coerente, antes se resumindo a um sistema troncal, em torno do eixo
Lisboa-Porto. No decurso de quase três décadas, a ferrovia desapareceu de
largas extensões de território, perdeu conexões internacionais com a restante
Península, deixou cidades inteiras sem transporte ferroviário, sempre com a
variável comum do “custo evitável” (possibilidade de não reabilitação, como
critério de fecho, exatamente da mesma forma ao ocorrido na Grã-Bretanha dos
anos 60 e 70 do séc.XX, sob os auspício do “Beeching Report”), sem qualquer
tipo de análise de impacto socioeconómico, ao mesmo tempo que se multiplicavam
autoestradas por todo o lado, comparticipadas com financiamento comunitário que
pouco chegou aos outros modos de transporte. Os investimentos ferroviários
cingiram-se à modernização de linhas suburbanas e expansão da eletrificação do
Lisboa-Porto a três corredores (a eletrificação progrediu de cerca de 500 Km
para mais de 1400 Km, sobre trajetos existentes, embora novas duplicações
apenas tenham adquirido alguma relevância no sistema suburbano do Porto). A construção
de novas linhas fora do âmbito estritamente industrial, entretanto não existiu,
ao longo dos últimos 30 anos. O caminho de ferro em Portugal foi descartado pelos
decisores políticos como instrumento de fomento territorial e socioeconómico,
elegendo-se um modelo de crescimento, no qual a mobilidade se tornou refém da
atividade empresarial em torno dos combustíveis fósseis e concessões
rodoviárias.
2.1. Alguns
indicadores comparativos na ferrovia
2015
|
Área (Km2)
|
População (M)
|
Km Ferrovia
|
Km Ferrovia/1000Km2
|
Km Ferrovia/M hab
|
República da Irlanda
|
70000
|
4,6
|
1950
|
27,86
|
424
|
Portugal
|
89000
|
10,3
|
2400
|
26,97
|
233
|
Média EU
|
|
|
|
47
|
398
|
Fonte: Orientações estratégicas para o Setor Ferroviário e
EUROSTAT
Para uma superfície não muito
distante da de Portugal, a República da Irlanda possui uma densidade de
ferrovia muito semelhante. Todavia, ambos os países (Irlanda e Portugal)
encontram-se muito abaixo da média da restante União Europeia. Já no tocante ao
rácio entre quilometragem ferroviária e população, a República da Irlanda
possui quase o dobro de Portugal, posicionando-se mesmo acima da média
Europeia. Portugal possui pouco mais de metade da média Europeia, em termos de
quilometragem de linha férrea por Milhão de habitantes.
1.2.2. Alguns
indicadores comparativos nas autoestradas
2015
|
Área (Km2)
|
População (M)
|
Km Autoestrada
|
Km AE/1000Km2
|
Km AE/M hab
|
República da Irlanda
|
70000
|
4,6
|
1000
|
14,29
|
217
|
Portugal
|
89000
|
10,3
|
3200
|
35,96
|
311
|
Média EU
|
|
|
|
16
|
140
|
Fonte: Orientações estratégicas para o Setor
Ferroviário e EUROSTAT
No tocante ao concorrente mais próximo
da ferrovia, a autoestrada, a República da Irlanda apresenta uma densidade por
Km2 ligeiramente abaixo da média da União Europeia, embora se posicione bem
acima da média da UE, relativamente à quilometragem por habitante. Quanto a
Portugal, possui atualmente (2015) uma densidade de autoestradas superior ao
DOBRO da média Europeia, tanto a nível da superfície, como do rácio por
habitante. Portugal é ainda o único Estado-Membro não-insular da UE onde a
quilometragem de autoestradas suplanta a da “rede” ferroviária existente. A
situação particular de Portugal ocorre num momento em que o Plano Rodoviário
Nacional (incluindo mais autoestradas para além das existentes) não se encontra
concluído, e a Comissão Europeia não concede mais financiamento para nova
construção (diversos troços de autoestrada em Portugal não evidenciam níveis de
tráfego suscetíveis de garantir uma cobertura mínima dos respetivos custos de
manutenção). A taxa de motorização individual era em 2012 (Eurostat) de 406
automóveis/1000 habitantes, em Portugal, contra 425 na Irlanda. Tal não traduz,
necessariamente a intensidade do uso da viatura individual, em cada caso.
1.
3. A estrutura dos serviços de passageiros de longo
curso na Irlanda e em Portugal
3.1. Configuração Espacial
3.1.1. República da
Irlanda
Os serviços ferroviários de longo
curso de passageiros na República da Irlanda são assegurados pelo operador
estatal Iarnród Eireann, e possuem uma configuração predominantemente radial,
relativamente à capital e principal Área Metropolitana do país (Dublin). Nos
últimos anos, o sistema Inter-City Irlandês deixou de assumir uma forma
exclusivamente radial, com a reabertura ao tráfego de parte do Western Rail
Corridor, encerrado na totalidade em 1976 e retornado à exploração comercial
entre Limerick, Ennis e Athenry, possibilitando a partir de 2010, o
estabelecimento de um serviço Inter-City Limerick-Galway, fora da lógica
radiocêntrica das restantes relações. Além desta relação, existe também a de
Limerick para Waterford, a qual assume igualmente um carácter concêntrico. A
Norte de Dublin, a radial dirigida a Belfast é a única suportando uma relação
Internacional, em virtude da condição específica de seis condados do Ulster,
constituindo parte integrante do Reino Unido; na prática, todavia, esta relação
funcional é, em muitos aspetos, de índole interurbana e interna, entre as duas
maiores Áreas Metropolitanas existentes na ilha.
Os principais serviços de ferroviários de passageiros de
longo-curso na República da Irlanda eram, em 2015, os seguintes:
Relação
|
Diretos p/sentido
|
C/Transbordo p/sentido
|
Tempo
|
Km
|
Média (Km/h)
|
Dublin-Cork
|
15
|
0
|
2h35
|
266
|
103
|
Dublin-Tralee
|
0
|
7
|
3h55
|
333
|
85
|
Dublin-Galway
|
9
|
0
|
2h19
|
203
|
88
|
Dublin-Limerick
|
3
|
13
|
2h15
|
200
|
89
|
Dublin-Rosslare
|
4
|
0
|
2h45
|
175
|
77
|
Dublin-Sligo
|
6
|
0
|
3h00
|
215
|
72
|
Dublin-Waterford
|
8
|
1
|
2h15
|
218
|
97
|
Dublin-Westport
|
3
|
1
|
3h20
|
258
|
77
|
Dublin-Ballina
|
0
|
4
|
3h25
|
266
|
78
|
Dublin-Belfast
|
8
|
0
|
2h10
|
182
|
84
|
Limerick-Galway
|
5
|
3
|
1h55
|
117
|
61
|
Limerick-Waterford
|
0
|
3
|
2h15
|
131
|
58
|
A relação média de longo curso na
República da Irlanda apresenta uma distância média (não ponderada pela
frequência dos serviços) de 214 Km, com uma velocidade comercial média de 80,75
Km/h. As médias comerciais mais elevadas ocorrem nos corredores Dublin-Cork e
Dublin-Waterford.
3.1.2. Portugal
Os serviços ferroviários de longo
curso de passageiros em Portugal são assegurados pelo operador estatal Comboios
de Portugal, e possuem uma configuração predominantemente troncal,
relativamente à capital e as duas principais Área Metropolitanas do país
(Lisboa e Porto). Praticamente tudo assenta total ou parcialmente na Linha do
Norte, exceção feita a um prolongamento do corredor Atlântico para Sul (Faro) e
duas penetrações radiais no Alentejo (Évora e Beja). Desde a sua criação em
1988, o Inter-Cidades deixou de possuir relações diretas de Lisboa à Região do
Oeste (Torres Vedras, Caldas e Leiria), Régua e Viana do Castelo. Desapareceram
igualmente serviços diretos da margem Sul (Barreiro) a Portimão. A partir de
1999, a relação Lisboa-Porto-Braga começa gradualmente a ser coberta com
serviços prestados por unidades automotoras de “pendulação ativa”, cujos
serviços são oferecidos sob a designação “Alfa Pendular”. A conclusão do eixo
Lisboa-Pinhal Novo, a partir de 2004, permite efetuar serviços diretos de
Lisboa ao Sul do país, tanto através do Inter-Cidades como de uma oferta
restrita de “Alfa Pendular”, oriunda/destinada ao Porto.
Os principais serviços de ferroviários de passageiros de
longo-curso em Portugal eram, em 2015, os seguintes:
Relação
|
Diretos p/sentido
|
C/Transbordo p/sentido
|
Tempo
|
Km
|
Média (Km/h)
|
Lisboa-Porto
|
18
|
0
|
2h45
|
337
|
123
|
Lisboa-Braga
|
6
|
0
|
3h25
|
390
|
114
|
Lisboa-Guarda
|
4
|
0
|
4h30
|
388
|
86
|
Lisboa-Covilhã
|
3
|
0
|
3h40
|
301
|
82
|
Lisboa-Faro
|
5
|
0
|
3h00
|
338
|
112
|
Porto-Faro
|
2
|
0
|
5h47
|
671
|
116
|
Lisboa-Evora
|
4
|
0
|
1h35
|
149
|
94
|
Lisboa-Beja
|
0
|
4
|
2h20
|
176
|
75
|
Lisboa-Guimarães
|
1
|
0
|
4h00
|
393
|
98
|
Há médias comerciais bem
superiores a 100 Km/h no conjunto das relações ferroviárias de longo curso
oferecidas pela Comboios de Portugal, designadamente todas aquelas que fazem
uso em maior grau da Linha do Norte. O afastamento da Linha do Norte, e do seu
prolongamento a Sul, em direção a Faro, implica, desde logo, uma queda
apreciável das velocidades médias, as quais, mesmo assim comparam-se muito
favoravelmente às da República da Irlanda. A pior média comercial do serviço
Inter-Cidades é Lisboa-Beja, sujeita a transbordo, desde 2011. Mesmo essa média
assemelha-se às menos competitivas do sistema Irlandês. As médias comerciais
mais elevadas em Portugal são obtidas entre Lisboa e Porto (123 Km/h), com
recurso ao serviço Alfa-Pendular, operado com unidades eléctricas de
“Pendulação Ativa”. Tipicamente, uma relação ferroviária de longo curso em
Portugal tem uma média (não ponderada pela frequência dos serviços), de 349 Km,
com uma velocidade média de 100 Km/h.
3.1.3. Cobertura do sistema ferroviário por relações de
longo-curso, na Irlanda e em Portugal
Para sistemas ferroviários que,
em agregado possuem uma quilometragem próxima (2400 Km em Portugal para 1940 Km
na Irlanda (2015)), a cobertura dos serviços de longo curso apresenta-se
significativamente diferente. Enquanto que na República da Irlanda, o serviço
ferroviário de longo curso soma (troços comuns deduzidos), cerca de 1678 Km, em
Portugal o agregado de todos os serviços IC e Alfa-Pendular queda-se por 1282
Km. O aproveitamento global do sistema radial (e tendencialmente concêntrico)
Irlandês, para o tráfego de passageiros de longo curso é de praticamente 86%.
Em Portugal, o sistema troncal em que se baseia atualmente a rede ferroviária
remanescente ou residual, apenas aproveita pouco mais de metade (54,3%) para os
serviços de longo curso, diretos de Lisboa e/ou Porto. Grandes porções de linha
ativa em Portugal, não contam com outra oferta ferroviária que não a Regional,
na mesma se posicionando casos como toda a Região do Oeste (e respetiva linha),
e a maior parte do Algarve, fora do troço Tunes-Lagos.
3.2. Outras características da oferta: tarifa média por Km
Embora as tarifas praticadas nos
serviços de longo curso dos Iarnród Eireann e Comboios de Portugal não sejam
determinadas segundo uma base quilométrica, mas antes, segundo as Elasticidades
da Procura por corredor, afigura-se interessante proceder a uma comparação nos
corredores ferroviários de ambos.
3.2.1. República da Irlanda
Relação
|
Km
|
Tarifa-Base€
|
Tarifa Média Cent/Km
|
Dublin-Cork
|
266
|
37
|
14
|
Dublin-Tralee
|
333
|
37
|
11
|
Dublin-Galway
|
203
|
25
|
12,3
|
Dublin-Limerick
|
200
|
15
|
7,5
|
Dublin-Rosslare
|
175
|
17
|
9,7
|
Dublin-Sligo
|
215
|
20
|
9,3
|
Dublin-Waterford
|
218
|
17
|
7,8
|
Dublin-Westport
|
258
|
20
|
7,8
|
Dublin-Ballina
|
266
|
20
|
7,5
|
Dublin-Belfast
|
182
|
18
|
10
|
Limerick-Galway
|
117
|
10
|
8,6
|
Limerick-Waterford
|
131
|
25
|
19,1
|
3.2.2. Portugal
Relação
|
Km
|
Tarifa-Base€
|
Tarifa Média Cent/Km
|
Lisboa-Porto
|
337
|
30
|
8,9
|
Lisboa-Braga
|
390
|
33
|
8,5
|
Lisboa-Guarda
|
388
|
21
|
5,4
|
Lisboa-Covilhã
|
301
|
17
|
5,6
|
Lisboa-Faro
|
338
|
22
|
6,5
|
Porto-Faro
|
671
|
51
|
7,6
|
Lisboa-Evora
|
149
|
12
|
8,1
|
Lisboa-Beja
|
176
|
14
|
8
|
Lisboa-Guimarães
|
393
|
26
|
6,7
|
No geral, o tarifário Irlandês
apresenta-se mais oneroso do que o Português: uma média de 0,104 €/Km contra
0,0073 €/Km. Nas grandes linhas Irlandesas, as tarifas mais elevadas surgem nos
corredores mais rápidos de Dublin para Cork, Galway e Belfast, e refletem
Valores do Tempo mais elevados. As disparidades entre corredores em termos de
tarifário médio por unidade de distância são bastante mais esbatidas em
Portugal, mesmo nas relações mais rápidas que se processam entre as Áreas
Metropolitanas de Lisboa e do Porto, prolongadas a Braga.
3.3. Outras
características da Oferta: a frequência média por 100 Km de corredor
3.3.1. República da Irlanda
Relação
|
Diretos p/sentido
|
C/Transbordo p/sentido
|
Freq/100Km
|
Dublin-Cork
|
15
|
0
|
5,6
|
Dublin-Tralee
|
0
|
7
|
2,1
|
Dublin-Galway
|
9
|
0
|
4,4
|
Dublin-Limerick
|
3
|
13
|
8
|
Dublin-Rosslare
|
4
|
0
|
2,3
|
Dublin-Sligo
|
6
|
0
|
2,8
|
Dublin-Waterford
|
8
|
1
|
4,1
|
Dublin-Westport
|
3
|
1
|
1,6
|
Dublin-Ballina
|
0
|
4
|
1,5
|
Dublin-Belfast
|
8
|
0
|
4,4
|
Limerick-Galway
|
5
|
3
|
6,9
|
Limerick-Waterford
|
0
|
3
|
2,3
|
3.3.2. Portugal
Relação
|
Diretos p/sentido
|
C/Transbordo p/sentido
|
Freq/100Km
|
Lisboa-Porto
|
18
|
0
|
5,3
|
Lisboa-Braga
|
6
|
0
|
1,5
|
Lisboa-Guarda
|
4
|
0
|
1
|
Lisboa-Covilhã
|
3
|
0
|
1
|
Lisboa-Faro
|
5
|
0
|
1,5
|
Porto-Faro
|
2
|
0
|
0,3
|
Lisboa-Evora
|
4
|
0
|
2,7
|
Lisboa-Beja
|
0
|
4
|
2,3
|
Lisboa-Guimarães
|
1
|
0
|
0,3
|
O serviço ferroviário de longo
curso Irlandês apresenta-se de longe mais frequente do que o Português, na generalidade
dos casos (média de 3,8 serviços diários por sentido/100 Km), contra menos de
metade (apenas 1,77), no caso Português. Se bem que alguns serviços em Portugal
deverão agrupar-se com outros, em virtude de pertencerem à mesma família
utilizando a Linha do Norte, e com variações no segmento final (Guimarães, por
exemplo), a realidade é a de que apenas a relação Lisboa-Porto, pode chamar a
si própria o estatuto de “frequente”, mesmo assim ficando aquém da obtida nos
serviços Dublin-Cork. De resto, há grandes assimetrias entre o Lisboa-Porto e
todas as restantes relações ferroviárias de passageiros, nos restantes eixos
explorados pela Comboios de Portugal. No caso Irlandês é de salientar a elevada
frequência, em termos relativos, dos serviços entre Limerick e Galway,
introduzidos a partir de 2010, com a reabertura ao tráfego de parte do West
Rail Corridor (encerrado na totalidade em 1976).
3.4. Caracterização dos corredores em Potencial Demográfico
(I – Pontos Extremos e Intermédios) Efetivos demográficos aproximados dos
municípios e metrópoles servidos
3.4.1. República da Irlanda
Relação
|
Pop.Extremo1
|
Pop.Extremo2
|
Pop.Intermédia
|
Dublin-Cork
|
1800000
|
200000
|
31400
|
Dublin-Tralee
|
1800000
|
23693
|
13000
|
Dublin-Galway
|
1800000
|
76000
|
20000
|
Dublin-Limerick
|
1800000
|
110000
|
0
|
Dublin-Rosslare
|
1800000
|
20000
|
6700
|
Dublin-Sligo
|
1800000
|
14000
|
30100
|
Dublin-Waterford
|
1800000
|
51500
|
38400
|
Dublin-Westport
|
1800000
|
5543
|
4000
|
Dublin-Ballina
|
1800000
|
10361
|
4000
|
Dublin-Belfast
|
1800000
|
550000
|
40000
|
Limerick-Galway
|
110000
|
76000
|
20200
|
Limerick-Waterford
|
110000
|
51000
|
0
|
3.4.2. Portugal
Relação
|
Pop.Extremo1
|
Pop.Extremo2
|
Pop.Intermédia
|
Lisboa-Porto
|
2800000
|
1700000
|
324000
|
Lisboa-Braga
|
2800000
|
180000
|
1700000
|
Lisboa-Guarda
|
2800000
|
43000
|
74800
|
Lisboa-Covilhã
|
2800000
|
52000
|
114500
|
Lisboa-Faro
|
2800000
|
64500
|
95500
|
Porto-Faro
|
1700000
|
64500
|
3124000
|
Lisboa-Evora
|
2800000
|
56500
|
12000
|
Lisboa-Beja
|
2800000
|
35000
|
17000
|
Lisboa-Guimarães
|
2800000
|
54000
|
1700000
|
Os níveis populacionais dos
extremos dos corredores Inter-City Irlandeses ficam muito aquém dos seus
congéneres Portugueses, tanto nas respetivas Áreas Metropolitanas, como centros
regionais. O mais pequeno de todos os extremos de uma ligação Inter-Cidades
Portuguesa era, em termos demográficos, Beja (2015). Mesmo assim, posicionava-se
muito acima de exemplos Irlandeses, tais como Westport (5500), Ballina (10300),
Sligo (14000), Rosslare/Wexford (20000) ou Tralee (23000). Nenhum corredor
Irlandês de longo curso possui potencial intermédio equiparável à Linha do
Norte, e sua extensão a Braga, à Linha da Beira Alta, da Beira Baixa e mesmo do
Algarve. Apenas as relações de Lisboa a Évora e Beja podem encontrar
características semelhantes às de muitas congéneres Irlandesas. Todavia a mais
despovoada Irlanda conta não apenas com maior cobertura relativa de serviços
ferroviários de longo curso no conjunto do sistema, como ainda os oferece com
frequências superiores a Portugal.
3.5. Caracterização dos corredores em Potencial Demográfico
(II – Densidade Linear)
3.5.1. República da Irlanda
Relação
|
TotalCorr
|
Dens.Linear (Hab/Km)
|
Dublin-Cork
|
2031400
|
7636
|
Dublin-Tralee
|
1836693
|
5516
|
Dublin-Galway
|
1896000
|
9340
|
Dublin-Limerick
|
1910000
|
9550
|
Dublin-Rosslare
|
1826700
|
10438
|
Dublin-Sligo
|
1844100
|
8577
|
Dublin-Waterford
|
1889900
|
8669
|
Dublin-Westport
|
1809543
|
7014
|
Dublin-Ballina
|
1814361
|
6821
|
Dublin-Belfast
|
2390000
|
13132
|
Limerick-Galway
|
206200
|
1762
|
Limerick-Waterford
|
161000
|
1229
|
3.5.2. Portugal
Relação
|
TotalCorr
|
Dens.Linear (Hab/Km)
|
Lisboa-Porto
|
4824000
|
14315
|
Lisboa-Braga
|
5004000
|
12831
|
Lisboa-Guarda
|
2917800
|
7520
|
Lisboa-Covilhã
|
2966500
|
9856
|
Lisboa-Faro
|
2960000
|
8757
|
Porto-Faro
|
4888500
|
7285
|
Lisboa-Evora
|
2868500
|
19251
|
Lisboa-Beja
|
2852000
|
16205
|
Lisboa-Guimarães
|
4554000
|
11588
|
As densidades lineares dos
corredores ferroviários de longo curso em Portugal apresentam-se na
generalidade muito superiores aos da Irlanda, reforçando claramente a ideia de
que o modo ferroviário em Portugal PERDE OPORTUNIDADES DE MERCADO, mesmo com o
sistema ferroviário reduzido à condição de rede residual ou troncal. Os valores
muito elevados de densidade linear para os corredores do Alentejo (Évora e
Beja) refletem apenas a sua proximidade em distância física relativamente à
Área Metropolitana de Lisboa e Península de Setúbal. Tal não distorce de todo,
já que o potencial de mercado não assenta exclusivamente em fatores
demográficos (como é voz corrente e falácia comum em determinados círculos),
mas igualmente no “custo generalizado” (por sua vez correlacionado com a maior
ou menor proximidade aos grandes centros – particularmente em distância-tempo).
3.6. Exposição dos corredores ferroviários interurbanos à
concorrência
3.6.1. República da Irlanda
Relação
|
AE Concorrente
|
Transporte Aéreo
|
Dublin-Cork
|
M7/M8
|
Disponível
|
Dublin-Tralee
|
M8 parcial
|
Disponível
|
Dublin-Galway
|
M6
|
Disponível
|
Dublin-Limerick
|
M7
|
Disp.(Shannon)
|
Dublin-Rosslare
|
M11
|
Não existe
|
Dublin-Sligo
|
M6/M4
|
Não existe
|
Dublin-Waterford
|
M7/M9
|
Não existe
|
Dublin-Westport
|
M4 parcial
|
Não existe
|
Dublin-Ballina
|
M4 parcial
|
Não existe
|
Dublin-Belfast
|
M1
|
Disponível
|
Limerick-Galway
|
Não existe
|
Não existe
|
Limerick-Waterford
|
Não existe
|
Não existe
|
3.6.2. Portugal
Relação
|
AE Concorrente
|
Transporte Aéreo
|
Lisboa-Porto
|
A1/A8+A17+A29
|
Disponível
|
Lisboa-Braga
|
A1+A3
|
Não existe
|
Lisboa-Guarda
|
A1+A25
|
Não existe
|
Lisboa-Covilhã
|
A1+A23
|
Não existe
|
Lisboa-Faro
|
A2
|
Disponível
|
Porto-Faro
|
A1+A2
|
Disponível
|
Lisboa-Evora
|
A2+A6
|
Não existe
|
Lisboa-Beja
|
A2 parcial
|
Não existe
|
Lisboa-Guimarães
|
A1+A3+A7
|
Não existe
|
Apesar do crescimento rápido da
rede de autoestradas na República da Irlanda (cerca de 1000 Km) em cerca de 15
anos, as mesmas em nada se comparam ao âmbito e extensão das suas congéneres
Portuguesas (mais de 3200 Km), as quais chegam ao ponto de se duplicarem e até
triplicarem entre si, em diversas relações urbanas. Neste aspeto, a exposição à
concorrência rodoviária dos serviços Inter-Cidades e “Alfa Pendular” não
encontra paralelo no longo-curso Irlandês. Acresce ainda três casos em Portugal
onde ocorre disponibilidade de serviços aéreos internos.
3.7. Os serviços Internacionais diurnos
O grau de integração
internacional de uma qualquer rede ferroviária é medido pela existência de
serviços internacionais diurnos de passageiros. Apesar da sua condição insular,
a República da Irlanda possui uma linha de serviços regulares diurnos, de caracter
internacional, entre Dublin e Belfast, capital da Irlanda do Norte, país
autónomo e parte integrante do Reino Unido.
3.7.1. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda
e em Portugal (I)
Relação
|
Diretos p/sentido
|
Tempo
|
Km
|
Média (Km/h)
|
Freq/100Km
|
Dublin-Belfast
|
8
|
2h10
|
182
|
84
|
4,4
|
Porto-Vigo
|
2
|
2h35
|
170
|
66
|
1,18
|
Para uma distância muito
semelhante, há uma diferença notória entre o corredor Dublin-Belfast e o seu
homólogo Porto-Vigo (únicos que tanto no contexto Irlandês como Português
apresentam uma oferta de serviços ferroviários internacionais diurnos).
Dublin-Belfast apresenta para uma distância física muito semelhante a
Porto-Vigo (182 Km contra 170 Km), uma média comercial muito superior, assim
como uma frequência de serviços diários quatro vezes maior.
Relação
|
Km
|
Média (Km/h)
|
Freq/100Km
|
€
|
Tarifa Média Cent/Km
|
Dublin-Belfast
|
182
|
84
|
4,4
|
18
|
10
|
Porto-Vigo
|
170
|
66
|
1,18
|
14
|
8,2
|
Ambos os serviços internacionais diurnos
possuem uma Tarifa-Base (2a classe) muito próxima, embora o tarifário praticado
na Irlanda se apresente ligeiramente mais oneroso.
3.7.3. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda
e em Portugal (III)
Relação
|
Pop.Extremo1
|
Pop.Extremo2
|
Pop.Intermédia
|
TotalCorr
|
Dens.Linear
|
Dublin-Belfast
|
1800000
|
550000
|
40000
|
2390000
|
13132
|
Porto-Vigo
|
1700000
|
300000
|
400000
|
2400000
|
14118
|
Os corredores urbanos
Dublin-Belfast e Porto-Vigo apresentam grandes semelhanças, em termos da
magnitude demográfica. Os extremos apresentam-se maiores no caso Irlandês, o
efetivo intermédio mais elevado, no caso Português. Globalmente, as densidades
lineares são praticamente idênticas.
3.7.4. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda
e em Portugal (IV)
Relação
|
AE Concorrente
|
Oferta aérea
|
Dublin-Belfast
|
M1
|
Disponível
|
Porto-Vigo
|
A3 ou A28
|
Inexistente
|
No tocante à concorrência, a
relação ferroviária Dublin-Belfast conta com a alternativa aérea, assim como a
rodoviária, através da autoestrada M1. A relação Porto-Vigo não possui
concorrência aérea, mas conta com duas autoestradas paralelas e concorrentes:
A3 e A28 (prolongadas além-fronteira pelo trajeto da Autovia 550).
3.7.5. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda
e em Portugal (V)
3.7.5.1. Características do serviço Dublin-Belfast
(Enterprise Express)
Composição reversível de locomotiva+carruagens climatizadas
(De Dietrich, 1997).
- Locomotiva 0200 Diesel-Elétrica GM-Canadá (1994/95), apta
a 100 Mph (160 Km/h).
- Uma carruagem piloto-furgão-1a Classe (29 lugares)
- Uma carruagem de 1a classe (47 lugares)
- Uma carruagem-restaurante/bar
- Uma carruagem de 2a+ (68 lugares)
- Quatro carruagens de 2a (4 x 71 lugares).
Capacidade total: 428
passageiros (dos quais 76 em 1a classe)
Lugares-Km diários oferecidos por sentido: 623168
Idade média do material motor (2015): 20 a 21 anos
Idade do material rebocado (2015): 18 anos
Infraestrutura utilizada: via dupla de 182 Km, munida de
sinalização eletrónica.
O material circulante empregue no serviço “Enterprise”
Dublin-Belfast
3.7.5.2. Características do serviço Porto-Vigo (Celta)
Automotora Diesel da Série 592 RENFE (material obsoleto já
não utilizado regularmente na restante Espanha), em regime de aluguer (MAN-CAF,
1981/84), climatizada, apta a 140 Km/h.
- Capacidade: 228 lugares de 2a classe.
Lugares-Km diários oferecidos por sentido: 77520
Idade do material automotor (2015): 31 a 34 anos.
Infraestrutura utilizada: via dupla de 38 Km, munida de
sinalização eletrónica de Porto a Nine; via única de 92 Km, explorada em regime
de cantonamento telefónico, de Nine a Valença; via única, explorada sob Comando
de Tráfego Centralizado, no restante trajeto, entre Valença e Vigo.
O
material circulante empregue no serviço “Celta” Porto-Vigo
3.7.6. Considerações gerais
A comparação de dois serviços
internacionais diurnos de passageiros, operados em corredores interurbanos, de
características muito parecidas, na Irlanda/irlanda do Norte e
Portugal/Espanha(Galiza), tornam bem
patente a irrelevância do transporte ferroviário de passageiros em Portugal. O
argumento habitual, que assume vários lugares-comuns (demografia desfavorável,
excentricidade das estações, etc.) para "justificar" a
"inadequação" do modo ferroviário em Portugal, é completamente
desmontado, num misto de embaraço e vergonha, quando se compara Dublin-Belfast
com Porto-Vigo. Melhor exemplo da total irrelevância a que os decisores
políticos da era da Integração Europeia em Portugal votaram o caminho de ferro
não poderia ser encontrado, do que nos cerca de 92 Km de linha existente entre
Nine e Valença, praticamente deixados ao nível do séc.XIX, no decurso de mais
de 27 anos de co-financiamentos comunitários, onde não faltaram recursos para a
construção de duas autoestradas paralelas no mesmo corredor interurbano. No
mesmo ano (2015) em que Espanha inaugura a totalidade da extensão do Novo Eixo
Atlântico, de Corunha e Santiago a Vigo, onde se praticam velocidades de 250
Km/h, Porto-Valença espelha a forma como os decisores políticos de Portugal
olham para a "formação" das chamadas "Euro-Regiões", com
autoestradas e aeroportos, mas sem o "corpo-estranho" que para eles
tem sido o transporte ferroviário de passageiros.
Das restantes ligações
ferroviárias internacionais de passageiros, apenas se deverá referir que os
casos particulares das relações noturnas Lisboa-Hendaye e Lisboa-Madrid, não
correspondem a qualquer tipo de lógica integradora dos territórios
transfronteiriços. Para o acionista-Estado da "Comboios de Portugal",
tutelado pelo Governo, realidades transfronteiriças como Corunha, Santiago de
Compostela, Salamanca (a 1h30mn de Madrid a partir de Maio de 2015), Medina del
Campo, Valladolid, Badajoz, Mérida ou Cáceres são "meras abstrações",
onde não há qualquer interesse em fazer chegar serviços ferroviários de
passageiros diurnos, oriundos de Lisboa ou Porto. A insularidade natural da
ferrovia na República da Irlanda não se afigura portanto mais forte que a sua
congénere artificialmente imposta em Portugal, país onde o "Mercado Único
Europeu", da liberdade de circulação de indivíduos, bens, capitais e
serviços, é para o modo “comboio”, completamente inexistente.
4. A evolução do tráfego ferroviário de passageiros na
Irlanda e Portugal
4.1. República da Irlanda
(Milhões de Pass-Km)
Fonte: ECMT/OECD (International Transport Forum)
4.2. Portugal
(Milhões
de Pass-Km)
Fonte:
ECMT/OECD (International Transport Forum)
Embora existam flutuações na
evolução do tráfego, expresso em Passageiros-Km em ambos os Estados-Membros, a
tendência de longo prazo da República da Irlanda e de Portugal é inversa. No
geral há uma tónica ascendente no caso Irlandês, e descendente no Português, ao
longo de um período de quase três décadas, e que se inicia em 1985, quando
praticamente Portugal se preparava para aderir às Comunidades Europeias, e
possuía então uma rede ferroviária com cerca de 3700 Km. Enquanto que o
conceito de rede ferroviária se manteve na República da Irlanda, em Portugal
ele foi destruído, ao longo do mesmo período, no qual se construíram
simultaneamente, e com apoio de Fundos Europeus, mais de 2800 Km de
autoestradas novas.
5. A lógica do desenvolvimento ferroviário na Irlanda, pela
ótica de Portugal
Poderá colocar-se uma questão
teórica interessante: o que seria hoje o caminho de ferro na República da
Irlanda, caso o país tivesse sido governado pelos Executivos Portugueses, desde
1986?
Muitos dos corredores Inter-City
que hoje funcionam estariam há muito desativados. Radiais como Dublin-Sligo,
Athlone-Claremorris-Westport/Ballina, linhas bifurcadas como Mallow-Tralee, não
teriam qualquer hipótese realista de se encontrarem em serviço, pela lógica de
retração contínua do território, imposta à ferrovia em Portugal, ao longo de
mais de um quarto de século. Todos estes corredores possuem densidades lineares
e pontos extremos de menor magnitude comparativamente ao que hoje permanece
aberto ao tráfego em Regiões como o Alentejo (Évora e Beja). Fenómenos como
reabertura de linhas encerradas são algo completamente estranho para os
decisores políticos de Portugal, e portanto dificilmente voltariam a circular
serviços de passageiros em linhas como o West Rail Corridor of Ireland (trajeto
concêntrico), o qual reabriu parcialmente em mais de 100 Km entre Limerick,
Ennis e Athenry (Galway), após de mais de 30 anos sem tráfego (encerrado em
1976). Alguns círculos políticos Irlandeses ligados ao partido Fine Gael
(família política Europeia idêntica ao PSD Português), advogam uma abordagem
para o caminho de ferro Irlandês semelhante aquela que vem sendo aplicada em
Portugal há quase três décadas: reduzi-lo a um sistema residual (não obstante
grandes amputações ocorridas em tempos passados e com particular vigor nos anos
de vigência do "Beddy Report", nos anos 50 a 70 do séc.XX). Um dos
Conselheiros do Fine Gael, o académico Sean Barrett (Transport Economics,
Trinity Colledge) advogou recentemente a reestruturação do transporte
ferroviário na República da Irlanda, de molde a que não restassem em serviço
mais do que quatro corredores Inter-City (Dublin-Belfast, Dublin-Galway,
Dublin-Cork/Limerick e Dublin-Waterford). No plano teórico, a recomendação
teria sido seguramente seguida por um Executivo Português, governando a
Irlanda.
6. A lógica do desenvolvimento ferroviário em Portugal, pela
ótica da Irlanda
E se Portugal tivesse sido
governado por Executivos Irlandeses, desde 1986?
Contrariamente a Portugal, a
República da Irlanda quase não possui o equivalente às Capitais de Distrito sem
uma ligação básica a Dublin. À exceção de Donegal e Cavan (Região do Ulster
integrada na República), TODOS OS CONDADOS através da sua sede, têm pelo menos uma
estação de passageiros aberta ao tráfego, numa linha radial de Dublin. Assim,
aberrações como Capitais de Distrito Portuguesas (Viseu, Bragança ou Vila Real)
sem ligação ferroviária direta ou indireta a Lisboa ou Porto não teriam lugar
pela lógica governativa Irlandesa dos últimos 30 anos, muito menos teriam
aceitação situações como Distritos inteiros (Portalegre) sem qualquer tipo de
oferta ferroviária de passageiros. As
políticas de Ordenamento do Território Irlandesas contam com o modo ferroviário
como estruturante do espaço nacional como um todo, remetendo para a
dimensão caricatural as suas congéneres Portuguesas, as quais só encontram
paralelo em países em vias de desenvolvimento, como em diversos Estados na
América Latina. Mas mais: a manutenção em pleno funcionamento na Irlanda, de
corredores radiais como Dublin-Sligo, ou Dublin-Westport, com as densidades
lineares anteriormente descritas, permite inferir que relações diretas Lisboa-Beja-Moura,
Lisboa-Évora-Estremoz-Vila Viçosa e Lisboa-Évora-Reguengos seriam uma realidade
no Portugal de 2015, operadas com material automotor moderno, tal como ocorre
no dia-a-dia da ferrovia Irlandesa. Outras situações impensáveis, pela lógica
Irlandesa, seriam a completa balcanização de importantes porções de rede
ferroviária, desintegradas da Rede Inter-Cidades, designadamente, a dissociação
das grandes relações internas, de centros urbanos como Torres Vedras, Caldas da
Rainha, Leiria, Lagos, Portimão, Tavira e Vila Real de Santo António.
7. Conclusão
A República da Irlanda possui
condições particularmente complexas, para o desenvolvimento do transporte
ferroviário de passageiros, de longo curso. Baixa densidade populacional,
centros urbanos de pequena dimensão, e níveis de equipamento e investimento
ferroviário limitados. A condição de insularidade cuja quebra (só possível
através de um túnel de grande extensão de ligação à Grã-Bretanha) não se
perspetiva senão a muito longo prazo, impede que a rede ferroviária Irlandesa
possa procurar um ganho de escala, associando-se a sistemas vizinhos (os
Northern Ireland Railways acabam por ser um subsistema, interno à Irlanda do
Norte). Todavia, consegue oferecer em muitos aspetos, um serviço ferroviário de
passageiros superior ao existente em
Portugal, mesmo com uma concorrência bastante acentuada de uma muito
recentemente construída rede de autoestradas, e até linhas aéreas internas.
Portugal apenas consegue tapar a
sua debilidade com a parte central do seu sistema troncal, entre Lisboa e
Porto, onde alguns detalhes, como a eletrificação (prolongada ao Algarve
Central e em duas penetrações no interior Centro), mascaram a realidade de uma
ferrovia derrotada perante o público, e divorciada de qualquer política de
fomento e desenvolvimento territorial. Toda a "estruturação do
território" de Portugal (se da mesma se pode falar), assenta na atualidade
(2015) em autoestradas, e numa mobilidade completamente entregue ao consumo de
petróleo (50% de todas as importações de produtos petrolíferos são gastas numa
logística medíocre de pessoas e bens, assente na rodovia). Onde na Irlanda
existe incapacidade de buscar escala nas redes vizinhas, em Portugal há apenas,
e tão somente, desinteresse institucional.
Bruxelas não co-financia mais
projetos rodoviários de grande dimensão em Portugal, a partir do presente
Quadro Comunitário de Apoio 20/20. Que respostas tem para dar ao novo quadro, o
país onde a ferrovia perdeu três décadas? A obrigatoriedade de contratualização
de serviços ferroviários de passageiros até 2019, em conformidade como o
“Pacote Ferroviário Europeu” quedar-se-á por um mero pró-forma, deixando a
oferta incumbente com as mesmas deficiências estruturais, ou será encarada como
nova oportunidade, impondo os aspetos quantitativos e qualitativos, dos quais o
transporte ferroviário de passageiros em Portugal tanto carece?
Manuel Margarido Tão, 8
de Abril de 2015
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