quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Constrangimentos e Potencial do Transporte Ferroviário de Passageiros em Portugal, com referência para o caso Irlandês: Uma Análise Comparativa

Constrangimentos e Potencial do Transporte Ferroviário
de Passageiros em Portugal, com referência para o caso Irlandês

Uma Análise Comparativa


1.       1. Introdução

Ao longo das últimas três décadas, o transporte ferroviário de passageiros de longo curso em Portugal tem vindo a perder importância sucessivamente, a contraciclo da maior parte dos restantes Estados-Membros da União Europeia. O presente documento visa analisar sucintamente os constrangimentos do transporte ferroviário de passageiros não-suburbano em Portugal, para tal se apoiando na comparação com outro parceiro Europeu, no caso concreto, a República da Irlanda. A escolha de um Estado-Membro da União Europeia como a República da Irlanda é fundamentada nas suas características de sistema ferroviário insular, implantado num território de dimensão aproximada à de Portugal Continental, embora possuindo uma densidade populacional significativamente inferior. É frequente apontar-se a “inaptidão” do transporte ferroviário para o território de Portugal, em virtude das suas características demográficas, e desta forma, a comparação com outro parceiro Europeu que, em muitos aspetos, encerra uma realidade bem mais complexa, a começar pela insularidade, inexistente no contexto Ibérico, afigura-se particularmente interessante. Muitas dificuldades de exploração de um caminho de ferro de passageiros de longo curso, encontram pontos comuns, em Portugal e na República da Irlanda, embora as abordagens de uns e outros decisores políticos relativamente à ferrovia, encontrem consideráveis elementos diferenciadores, e, consequentemente, resultados distintos.


2.       2. Os sistemas ferroviários da República da Irlanda e de Portugal

Tanto a Irlanda como Portugal apresentam sistemas ferroviários residuais, relativamente a períodos históricos passados, nos quais cada um deles atingiu picos de cerca de 5600 Km e 3700 Km, respetivamente.
A partição da Irlanda a partir dos anos 20 do séc.XX constitui-se como fator desfavorável ao desenvolvimento do transporte ferroviário, lançado no âmbito do Reino Unido, em 1834 (Dublin-Kingstown/Dún Laoghaire). A ausência de grandes indústrias, emigração e rarefação populacional, colocaram condicionantes ao transporte ferroviário, tanto na República como nos seis Condados do Ulster, que permaneceram no Reino Unido, com a motorização crescente a fazer-se sentir a partir dos anos 30 do séc.XX. Os sistemas ferroviários da Ilha foram sujeitos a vários processos de “racionalização”, culminando no Benson Report na Irlanda do Norte (no qual 4/5 da rede ferroviária foram destruídos), e no Beddy Report, na República, o qual praticamente consagrou um sistema de radiais com fulcro em Dublin, complementados por uma grande concêntrica no Oeste, encerrada em grande parte em 1976, e reaberta parcialmente mais de 30 anos depois. A ferrovia ativa na República da Irlanda era em 2015 cerca de 1944 Km, dos quais apenas 56 Km, correspondendo aos serviços suburbanos de Dublin, estavam eletrificados. Toda a restante ferrovia da República da Irlanda é explorada a tração Diesel, e apenas dois corredores radiais (Dublin-Cork e Dublin-Dundalk-(Belfast)), contam com via dupla em toda a sua extensão (radiais como Dublin-Galway e Dublin-Longford-(Sligo)), contaram no passado com 2ª via, a qual foi entretanto suprimida, no âmbito dos “programas de racionalização”. Até ao final do séc.XX, o poder político resistiu entretanto a mais propostas para amputações adicionais de grande escala à ferrovia Irlandesa, designadamente as recomendações do McKinsey Report (1972), as quais preconizando a redução do modo ferroviário a uma dimensão esquelética e sem cobertura territorial fora dos eixos Dublin-Cork, Dublin-Galway e Dublin-Belfast, ainda hoje é frequentemente aludida em certos círculos políticos.
Em Portugal, a contração da rede ferroviária apresenta-se como um fenómeno bastante mais recente, correspondendo à era da Integração Europeia. Dos 3700 Km de rede existente à época da adesão às Comunidades Europeias, em meados da década de 80 do séc.XX, restam atualmente (2015), cerca de 2400 Km, que já não formam sequer uma rede ferroviária coerente, antes se resumindo a um sistema troncal, em torno do eixo Lisboa-Porto. No decurso de quase três décadas, a ferrovia desapareceu de largas extensões de território, perdeu conexões internacionais com a restante Península, deixou cidades inteiras sem transporte ferroviário, sempre com a variável comum do “custo evitável” (possibilidade de não reabilitação, como critério de fecho, exatamente da mesma forma ao ocorrido na Grã-Bretanha dos anos 60 e 70 do séc.XX, sob os auspício do “Beeching Report”), sem qualquer tipo de análise de impacto socioeconómico, ao mesmo tempo que se multiplicavam autoestradas por todo o lado, comparticipadas com financiamento comunitário que pouco chegou aos outros modos de transporte. Os investimentos ferroviários cingiram-se à modernização de linhas suburbanas e expansão da eletrificação do Lisboa-Porto a três corredores (a eletrificação progrediu de cerca de 500 Km para mais de 1400 Km, sobre trajetos existentes, embora novas duplicações apenas tenham adquirido alguma relevância no sistema suburbano do Porto). A construção de novas linhas fora do âmbito estritamente industrial, entretanto não existiu, ao longo dos últimos 30 anos. O caminho de ferro em Portugal foi descartado pelos decisores políticos como instrumento de fomento territorial e socioeconómico, elegendo-se um modelo de crescimento, no qual a mobilidade se tornou refém da atividade empresarial em torno dos combustíveis fósseis e concessões rodoviárias.

2.1. Alguns indicadores comparativos na ferrovia

2015
Área (Km2)
População (M)
Km Ferrovia
Km Ferrovia/1000Km2
Km Ferrovia/M hab
República da Irlanda
70000
4,6
1950
27,86
424
Portugal
89000
10,3
2400
26,97
233
Média EU



47
398
Fonte: Orientações estratégicas para o Setor Ferroviário e EUROSTAT


Para uma superfície não muito distante da de Portugal, a República da Irlanda possui uma densidade de ferrovia muito semelhante. Todavia, ambos os países (Irlanda e Portugal) encontram-se muito abaixo da média da restante União Europeia. Já no tocante ao rácio entre quilometragem ferroviária e população, a República da Irlanda possui quase o dobro de Portugal, posicionando-se mesmo acima da média Europeia. Portugal possui pouco mais de metade da média Europeia, em termos de quilometragem de linha férrea por Milhão de habitantes.

1.2.2.  Alguns indicadores comparativos nas autoestradas

2015
Área (Km2)
População (M)
Km Autoestrada
Km AE/1000Km2
Km AE/M hab
República da Irlanda
70000
4,6
1000
14,29
217
Portugal
89000
10,3
3200
35,96
311
Média EU



16
140
       Fonte: Orientações estratégicas para o Setor Ferroviário e EUROSTAT


No tocante ao concorrente mais próximo da ferrovia, a autoestrada, a República da Irlanda apresenta uma densidade por Km2 ligeiramente abaixo da média da União Europeia, embora se posicione bem acima da média da UE, relativamente à quilometragem por habitante. Quanto a Portugal, possui atualmente (2015) uma densidade de autoestradas superior ao DOBRO da média Europeia, tanto a nível da superfície, como do rácio por habitante. Portugal é ainda o único Estado-Membro não-insular da UE onde a quilometragem de autoestradas suplanta a da “rede” ferroviária existente. A situação particular de Portugal ocorre num momento em que o Plano Rodoviário Nacional (incluindo mais autoestradas para além das existentes) não se encontra concluído, e a Comissão Europeia não concede mais financiamento para nova construção (diversos troços de autoestrada em Portugal não evidenciam níveis de tráfego suscetíveis de garantir uma cobertura mínima dos respetivos custos de manutenção). A taxa de motorização individual era em 2012 (Eurostat) de 406 automóveis/1000 habitantes, em Portugal, contra 425 na Irlanda. Tal não traduz, necessariamente a intensidade do uso da viatura individual, em cada caso.


1.       3.  A estrutura dos serviços de passageiros de longo curso na Irlanda e em Portugal



3.1. Configuração Espacial

3.1.1.  República da Irlanda

Os serviços ferroviários de longo curso de passageiros na República da Irlanda são assegurados pelo operador estatal Iarnród Eireann, e possuem uma configuração predominantemente radial, relativamente à capital e principal Área Metropolitana do país (Dublin). Nos últimos anos, o sistema Inter-City Irlandês deixou de assumir uma forma exclusivamente radial, com a reabertura ao tráfego de parte do Western Rail Corridor, encerrado na totalidade em 1976 e retornado à exploração comercial entre Limerick, Ennis e Athenry, possibilitando a partir de 2010, o estabelecimento de um serviço Inter-City Limerick-Galway, fora da lógica radiocêntrica das restantes relações. Além desta relação, existe também a de Limerick para Waterford, a qual assume igualmente um carácter concêntrico. A Norte de Dublin, a radial dirigida a Belfast é a única suportando uma relação Internacional, em virtude da condição específica de seis condados do Ulster, constituindo parte integrante do Reino Unido; na prática, todavia, esta relação funcional é, em muitos aspetos, de índole interurbana e interna, entre as duas maiores Áreas Metropolitanas existentes na ilha.




Os principais serviços de ferroviários de passageiros de longo-curso na República da Irlanda eram, em 2015, os seguintes:

Relação
Diretos p/sentido
C/Transbordo p/sentido
Tempo
Km
Média (Km/h)
Dublin-Cork
15
0
2h35
266
103
Dublin-Tralee
0
7
3h55
333
85
Dublin-Galway
9
0
2h19
203
88
Dublin-Limerick
3
13
2h15
200
89
Dublin-Rosslare
4
0
2h45
175
77
Dublin-Sligo
6
0
3h00
215
72
Dublin-Waterford
8
1
2h15
218
97
Dublin-Westport
3
1
3h20
258
77
Dublin-Ballina
0
4
3h25
266
78
Dublin-Belfast
8
0
2h10
182
84
Limerick-Galway
5
3
1h55
117
61
Limerick-Waterford
0
3
2h15
131
58



A relação média de longo curso na República da Irlanda apresenta uma distância média (não ponderada pela frequência dos serviços) de 214 Km, com uma velocidade comercial média de 80,75 Km/h. As médias comerciais mais elevadas ocorrem nos corredores Dublin-Cork e Dublin-Waterford.


3.1.2. Portugal

Os serviços ferroviários de longo curso de passageiros em Portugal são assegurados pelo operador estatal Comboios de Portugal, e possuem uma configuração predominantemente troncal, relativamente à capital e as duas principais Área Metropolitanas do país (Lisboa e Porto). Praticamente tudo assenta total ou parcialmente na Linha do Norte, exceção feita a um prolongamento do corredor Atlântico para Sul (Faro) e duas penetrações radiais no Alentejo (Évora e Beja). Desde a sua criação em 1988, o Inter-Cidades deixou de possuir relações diretas de Lisboa à Região do Oeste (Torres Vedras, Caldas e Leiria), Régua e Viana do Castelo. Desapareceram igualmente serviços diretos da margem Sul (Barreiro) a Portimão. A partir de 1999, a relação Lisboa-Porto-Braga começa gradualmente a ser coberta com serviços prestados por unidades automotoras de “pendulação ativa”, cujos serviços são oferecidos sob a designação “Alfa Pendular”. A conclusão do eixo Lisboa-Pinhal Novo, a partir de 2004, permite efetuar serviços diretos de Lisboa ao Sul do país, tanto através do Inter-Cidades como de uma oferta restrita de “Alfa Pendular”, oriunda/destinada ao Porto. 





Os principais serviços de ferroviários de passageiros de longo-curso em Portugal eram, em 2015, os seguintes:

Relação
Diretos p/sentido
C/Transbordo p/sentido
Tempo
Km
Média (Km/h)
Lisboa-Porto
18
0
2h45
337
123
Lisboa-Braga
6
0
3h25
390
114
Lisboa-Guarda
4
0
4h30
388
86
Lisboa-Covilhã
3
0
3h40
301
82
Lisboa-Faro
5
0
3h00
338
112
Porto-Faro
2
0
5h47
671
116
Lisboa-Evora
4
0
1h35
149
94
Lisboa-Beja
0
4
2h20
176
75
Lisboa-Guimarães
1
0
4h00
393
98


Há médias comerciais bem superiores a 100 Km/h no conjunto das relações ferroviárias de longo curso oferecidas pela Comboios de Portugal, designadamente todas aquelas que fazem uso em maior grau da Linha do Norte. O afastamento da Linha do Norte, e do seu prolongamento a Sul, em direção a Faro, implica, desde logo, uma queda apreciável das velocidades médias, as quais, mesmo assim comparam-se muito favoravelmente às da República da Irlanda. A pior média comercial do serviço Inter-Cidades é Lisboa-Beja, sujeita a transbordo, desde 2011. Mesmo essa média assemelha-se às menos competitivas do sistema Irlandês. As médias comerciais mais elevadas em Portugal são obtidas entre Lisboa e Porto (123 Km/h), com recurso ao serviço Alfa-Pendular, operado com unidades eléctricas de “Pendulação Ativa”. Tipicamente, uma relação ferroviária de longo curso em Portugal tem uma média (não ponderada pela frequência dos serviços), de 349 Km, com uma velocidade média de 100 Km/h.

3.1.3. Cobertura do sistema ferroviário por relações de longo-curso, na Irlanda e em Portugal

Para sistemas ferroviários que, em agregado possuem uma quilometragem próxima (2400 Km em Portugal para 1940 Km na Irlanda (2015)), a cobertura dos serviços de longo curso apresenta-se significativamente diferente. Enquanto que na República da Irlanda, o serviço ferroviário de longo curso soma (troços comuns deduzidos), cerca de 1678 Km, em Portugal o agregado de todos os serviços IC e Alfa-Pendular queda-se por 1282 Km. O aproveitamento global do sistema radial (e tendencialmente concêntrico) Irlandês, para o tráfego de passageiros de longo curso é de praticamente 86%. Em Portugal, o sistema troncal em que se baseia atualmente a rede ferroviária remanescente ou residual, apenas aproveita pouco mais de metade (54,3%) para os serviços de longo curso, diretos de Lisboa e/ou Porto. Grandes porções de linha ativa em Portugal, não contam com outra oferta ferroviária que não a Regional, na mesma se posicionando casos como toda a Região do Oeste (e respetiva linha), e a maior parte do Algarve, fora do troço Tunes-Lagos.


3.2. Outras características da oferta: tarifa média por Km

Embora as tarifas praticadas nos serviços de longo curso dos Iarnród Eireann e Comboios de Portugal não sejam determinadas segundo uma base quilométrica, mas antes, segundo as Elasticidades da Procura por corredor, afigura-se interessante proceder a uma comparação nos corredores ferroviários de ambos.

3.2.1. República da Irlanda

Relação
Km
Tarifa-Base€
Tarifa Média Cent/Km
Dublin-Cork
266
37
14
Dublin-Tralee
333
37
11
Dublin-Galway
203
25
12,3
Dublin-Limerick
200
15
7,5
Dublin-Rosslare
175
17
9,7
Dublin-Sligo
215
20
9,3
Dublin-Waterford
218
17
7,8
Dublin-Westport
258
20
7,8
Dublin-Ballina
266
20
7,5
Dublin-Belfast
182
18
10
Limerick-Galway
117
10
8,6
Limerick-Waterford
131
25
19,1


3.2.2. Portugal

Relação
Km
Tarifa-Base€
Tarifa Média Cent/Km
Lisboa-Porto
337
30
8,9
Lisboa-Braga
390
33
8,5
Lisboa-Guarda
388
21
5,4
Lisboa-Covilhã
301
17
5,6
Lisboa-Faro
338
22
6,5
Porto-Faro
671
51
7,6
Lisboa-Evora
149
12
8,1
Lisboa-Beja
176
14
8
Lisboa-Guimarães
393
26
6,7


No geral, o tarifário Irlandês apresenta-se mais oneroso do que o Português: uma média de 0,104 €/Km contra 0,0073 €/Km. Nas grandes linhas Irlandesas, as tarifas mais elevadas surgem nos corredores mais rápidos de Dublin para Cork, Galway e Belfast, e refletem Valores do Tempo mais elevados. As disparidades entre corredores em termos de tarifário médio por unidade de distância são bastante mais esbatidas em Portugal, mesmo nas relações mais rápidas que se processam entre as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, prolongadas a Braga.


3.3.  Outras características da Oferta: a frequência média por 100 Km de corredor

3.3.1. República da Irlanda


Relação
Diretos p/sentido
C/Transbordo p/sentido
Freq/100Km
Dublin-Cork
15
0
5,6
Dublin-Tralee
0
7
2,1
Dublin-Galway
9
0
4,4
Dublin-Limerick
3
13
8
Dublin-Rosslare
4
0
2,3
Dublin-Sligo
6
0
2,8
Dublin-Waterford
8
1
4,1
Dublin-Westport
3
1
1,6
Dublin-Ballina
0
4
1,5
Dublin-Belfast
8
0
4,4
Limerick-Galway
5
3
6,9
Limerick-Waterford
0
3
2,3

3.3.2. Portugal

Relação
Diretos p/sentido
C/Transbordo p/sentido
Freq/100Km
Lisboa-Porto
18
0
5,3
Lisboa-Braga
6
0
1,5
Lisboa-Guarda
4
0
1
Lisboa-Covilhã
3
0
1
Lisboa-Faro
5
0
1,5
Porto-Faro
2
0
0,3
Lisboa-Evora
4
0
2,7
Lisboa-Beja
0
4
2,3
Lisboa-Guimarães
1
0
0,3

O serviço ferroviário de longo curso Irlandês apresenta-se de longe mais frequente do que o Português, na generalidade dos casos (média de 3,8 serviços diários por sentido/100 Km), contra menos de metade (apenas 1,77), no caso Português. Se bem que alguns serviços em Portugal deverão agrupar-se com outros, em virtude de pertencerem à mesma família utilizando a Linha do Norte, e com variações no segmento final (Guimarães, por exemplo), a realidade é a de que apenas a relação Lisboa-Porto, pode chamar a si própria o estatuto de “frequente”, mesmo assim ficando aquém da obtida nos serviços Dublin-Cork. De resto, há grandes assimetrias entre o Lisboa-Porto e todas as restantes relações ferroviárias de passageiros, nos restantes eixos explorados pela Comboios de Portugal. No caso Irlandês é de salientar a elevada frequência, em termos relativos, dos serviços entre Limerick e Galway, introduzidos a partir de 2010, com a reabertura ao tráfego de parte do West Rail Corridor (encerrado na totalidade em 1976).

3.4. Caracterização dos corredores em Potencial Demográfico (I – Pontos Extremos e Intermédios) Efetivos demográficos aproximados dos municípios e metrópoles servidos



3.4.1. República da Irlanda

Relação
Pop.Extremo1
Pop.Extremo2
Pop.Intermédia
Dublin-Cork
1800000
200000
31400
Dublin-Tralee
1800000
23693
13000
Dublin-Galway
1800000
76000
20000
Dublin-Limerick
1800000
110000
0
Dublin-Rosslare
1800000
20000
6700
Dublin-Sligo
1800000
14000
30100
Dublin-Waterford
1800000
51500
38400
Dublin-Westport
1800000
5543
4000
Dublin-Ballina
1800000
10361
4000
Dublin-Belfast
1800000
550000
40000
Limerick-Galway
110000
76000
20200
Limerick-Waterford
110000
51000
0



3.4.2. Portugal

Relação
Pop.Extremo1
Pop.Extremo2
Pop.Intermédia
Lisboa-Porto
2800000
1700000
324000
Lisboa-Braga
2800000
180000
1700000
Lisboa-Guarda
2800000
43000
74800
Lisboa-Covilhã
2800000
52000
114500
Lisboa-Faro
2800000
64500
95500
Porto-Faro
1700000
64500
3124000
Lisboa-Evora
2800000
56500
12000
Lisboa-Beja
2800000
35000
17000
Lisboa-Guimarães
2800000
54000
1700000


Os níveis populacionais dos extremos dos corredores Inter-City Irlandeses ficam muito aquém dos seus congéneres Portugueses, tanto nas respetivas Áreas Metropolitanas, como centros regionais. O mais pequeno de todos os extremos de uma ligação Inter-Cidades Portuguesa era, em termos demográficos, Beja (2015). Mesmo assim, posicionava-se muito acima de exemplos Irlandeses, tais como Westport (5500), Ballina (10300), Sligo (14000), Rosslare/Wexford (20000) ou Tralee (23000). Nenhum corredor Irlandês de longo curso possui potencial intermédio equiparável à Linha do Norte, e sua extensão a Braga, à Linha da Beira Alta, da Beira Baixa e mesmo do Algarve. Apenas as relações de Lisboa a Évora e Beja podem encontrar características semelhantes às de muitas congéneres Irlandesas. Todavia a mais despovoada Irlanda conta não apenas com maior cobertura relativa de serviços ferroviários de longo curso no conjunto do sistema, como ainda os oferece com frequências superiores a Portugal.

3.5. Caracterização dos corredores em Potencial Demográfico (II – Densidade Linear)


3.5.1. República da Irlanda
Relação
TotalCorr
Dens.Linear (Hab/Km)
Dublin-Cork
2031400
7636
Dublin-Tralee
1836693
5516
Dublin-Galway
1896000
9340
Dublin-Limerick
1910000
9550
Dublin-Rosslare
1826700
10438
Dublin-Sligo
1844100
8577
Dublin-Waterford
1889900
8669
Dublin-Westport
1809543
7014
Dublin-Ballina
1814361
6821
Dublin-Belfast
2390000
13132
Limerick-Galway
206200
1762
Limerick-Waterford
161000
1229

3.5.2. Portugal
Relação
TotalCorr
Dens.Linear (Hab/Km)
Lisboa-Porto
4824000
14315
Lisboa-Braga
5004000
12831
Lisboa-Guarda
2917800
7520
Lisboa-Covilhã
2966500
9856
Lisboa-Faro
2960000
8757
Porto-Faro
4888500
7285
Lisboa-Evora
2868500
19251
Lisboa-Beja
2852000
16205
Lisboa-Guimarães
4554000
11588

As densidades lineares dos corredores ferroviários de longo curso em Portugal apresentam-se na generalidade muito superiores aos da Irlanda, reforçando claramente a ideia de que o modo ferroviário em Portugal PERDE OPORTUNIDADES DE MERCADO, mesmo com o sistema ferroviário reduzido à condição de rede residual ou troncal. Os valores muito elevados de densidade linear para os corredores do Alentejo (Évora e Beja) refletem apenas a sua proximidade em distância física relativamente à Área Metropolitana de Lisboa e Península de Setúbal. Tal não distorce de todo, já que o potencial de mercado não assenta exclusivamente em fatores demográficos (como é voz corrente e falácia comum em determinados círculos), mas igualmente no “custo generalizado” (por sua vez correlacionado com a maior ou menor proximidade aos grandes centros – particularmente em distância-tempo).


3.6. Exposição dos corredores ferroviários interurbanos à concorrência


3.6.1. República da Irlanda
Relação
AE Concorrente
Transporte Aéreo
Dublin-Cork
M7/M8
Disponível
Dublin-Tralee
M8 parcial
Disponível
Dublin-Galway
M6
Disponível
Dublin-Limerick
M7
Disp.(Shannon)
Dublin-Rosslare
M11
Não existe
Dublin-Sligo
M6/M4
Não existe
Dublin-Waterford
M7/M9
Não existe
Dublin-Westport
M4 parcial
Não existe
Dublin-Ballina
M4 parcial
Não existe
Dublin-Belfast
M1
Disponível
Limerick-Galway
Não existe
Não existe
Limerick-Waterford
Não existe
Não existe


3.6.2. Portugal
Relação
AE Concorrente
Transporte Aéreo
Lisboa-Porto
A1/A8+A17+A29
Disponível
Lisboa-Braga
A1+A3
Não existe
Lisboa-Guarda
A1+A25
Não existe
Lisboa-Covilhã
A1+A23
Não existe
Lisboa-Faro
A2
Disponível
Porto-Faro
A1+A2
Disponível
Lisboa-Evora
A2+A6
Não existe
Lisboa-Beja
A2 parcial
Não existe
Lisboa-Guimarães
A1+A3+A7
Não existe


Apesar do crescimento rápido da rede de autoestradas na República da Irlanda (cerca de 1000 Km) em cerca de 15 anos, as mesmas em nada se comparam ao âmbito e extensão das suas congéneres Portuguesas (mais de 3200 Km), as quais chegam ao ponto de se duplicarem e até triplicarem entre si, em diversas relações urbanas. Neste aspeto, a exposição à concorrência rodoviária dos serviços Inter-Cidades e “Alfa Pendular” não encontra paralelo no longo-curso Irlandês. Acresce ainda três casos em Portugal onde ocorre disponibilidade de serviços aéreos internos.


3.7. Os serviços Internacionais diurnos

O grau de integração internacional de uma qualquer rede ferroviária é medido pela existência de serviços internacionais diurnos de passageiros. Apesar da sua condição insular, a República da Irlanda possui uma linha de serviços regulares diurnos, de caracter internacional, entre Dublin e Belfast, capital da Irlanda do Norte, país autónomo e parte integrante do Reino Unido.


3.7.1. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda e em Portugal (I)


Relação
Diretos p/sentido
Tempo
Km
Média (Km/h)
Freq/100Km
Dublin-Belfast
8
2h10
182
84
4,4
Porto-Vigo
2
2h35
170
66
1,18


Para uma distância muito semelhante, há uma diferença notória entre o corredor Dublin-Belfast e o seu homólogo Porto-Vigo (únicos que tanto no contexto Irlandês como Português apresentam uma oferta de serviços ferroviários internacionais diurnos). Dublin-Belfast apresenta para uma distância física muito semelhante a Porto-Vigo (182 Km contra 170 Km), uma média comercial muito superior, assim como uma frequência de serviços diários quatro vezes maior.


 3.7.2. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda e em Portugal (II)


Relação
Km
Média (Km/h)
Freq/100Km
Tarifa Média Cent/Km
Dublin-Belfast
182
84
4,4
18
10
Porto-Vigo
170
66
1,18
14
8,2



Ambos os serviços internacionais diurnos possuem uma Tarifa-Base (2a classe) muito próxima, embora o tarifário praticado na Irlanda se apresente ligeiramente mais oneroso.


3.7.3. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda e em Portugal (III)


Relação
Pop.Extremo1
Pop.Extremo2
Pop.Intermédia
TotalCorr
Dens.Linear
Dublin-Belfast
1800000
550000
40000
2390000
13132
Porto-Vigo
1700000
300000
400000
2400000
14118

Os corredores urbanos Dublin-Belfast e Porto-Vigo apresentam grandes semelhanças, em termos da magnitude demográfica. Os extremos apresentam-se maiores no caso Irlandês, o efetivo intermédio mais elevado, no caso Português. Globalmente, as densidades lineares são praticamente idênticas.


3.7.4. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda e em Portugal (IV)


Relação
AE Concorrente
Oferta aérea
Dublin-Belfast
M1
Disponível
Porto-Vigo
A3 ou A28
Inexistente


No tocante à concorrência, a relação ferroviária Dublin-Belfast conta com a alternativa aérea, assim como a rodoviária, através da autoestrada M1. A relação Porto-Vigo não possui concorrência aérea, mas conta com duas autoestradas paralelas e concorrentes: A3 e A28 (prolongadas além-fronteira pelo trajeto da Autovia 550).


3.7.5. Serviço Internacional diurno na República da Irlanda e em Portugal (V)

3.7.5.1. Características do serviço Dublin-Belfast (Enterprise Express)

Composição reversível de locomotiva+carruagens climatizadas (De Dietrich, 1997).
- Locomotiva 0200 Diesel-Elétrica GM-Canadá (1994/95), apta a 100 Mph (160 Km/h).
- Uma carruagem piloto-furgão-1a Classe (29 lugares)
- Uma carruagem de 1a classe (47 lugares)
- Uma carruagem-restaurante/bar
- Uma carruagem de 2a+ (68 lugares)
- Quatro carruagens de 2a (4 x 71 lugares).
Capacidade total:  428 passageiros (dos quais 76 em 1a classe)
Lugares-Km diários oferecidos por sentido:  623168
Idade média do material motor (2015): 20 a 21 anos
Idade do material rebocado (2015): 18 anos
Infraestrutura utilizada: via dupla de 182 Km, munida de sinalização eletrónica.



O material circulante empregue no serviço “Enterprise” Dublin-Belfast



3.7.5.2. Características do serviço Porto-Vigo (Celta)
Automotora Diesel da Série 592 RENFE (material obsoleto já não utilizado regularmente na restante Espanha), em regime de aluguer (MAN-CAF, 1981/84), climatizada, apta a 140 Km/h.
- Capacidade: 228 lugares de 2a classe.
Lugares-Km diários oferecidos por sentido:  77520
Idade do material automotor (2015): 31 a 34 anos.
Infraestrutura utilizada: via dupla de 38 Km, munida de sinalização eletrónica de Porto a Nine; via única de 92 Km, explorada em regime de cantonamento telefónico, de Nine a Valença; via única, explorada sob Comando de Tráfego Centralizado, no restante trajeto, entre Valença e Vigo.




O material circulante empregue no serviço “Celta” Porto-Vigo



3.7.6. Considerações gerais

A comparação de dois serviços internacionais diurnos de passageiros, operados em corredores interurbanos, de características muito parecidas, na Irlanda/irlanda do Norte e Portugal/Espanha(Galiza),  tornam bem patente a irrelevância do transporte ferroviário de passageiros em Portugal. O argumento habitual, que assume vários lugares-comuns (demografia desfavorável, excentricidade das estações, etc.) para "justificar" a "inadequação" do modo ferroviário em Portugal, é completamente desmontado, num misto de embaraço e vergonha, quando se compara Dublin-Belfast com Porto-Vigo. Melhor exemplo da total irrelevância a que os decisores políticos da era da Integração Europeia em Portugal votaram o caminho de ferro não poderia ser encontrado, do que nos cerca de 92 Km de linha existente entre Nine e Valença, praticamente deixados ao nível do séc.XIX, no decurso de mais de 27 anos de co-financiamentos comunitários, onde não faltaram recursos para a construção de duas autoestradas paralelas no mesmo corredor interurbano. No mesmo ano (2015) em que Espanha inaugura a totalidade da extensão do Novo Eixo Atlântico, de Corunha e Santiago a Vigo, onde se praticam velocidades de 250 Km/h, Porto-Valença espelha a forma como os decisores políticos de Portugal olham para a "formação" das chamadas "Euro-Regiões", com autoestradas e aeroportos, mas sem o "corpo-estranho" que para eles tem sido o transporte ferroviário de passageiros.
Das restantes ligações ferroviárias internacionais de passageiros, apenas se deverá referir que os casos particulares das relações noturnas Lisboa-Hendaye e Lisboa-Madrid, não correspondem a qualquer tipo de lógica integradora dos territórios transfronteiriços. Para o acionista-Estado da "Comboios de Portugal", tutelado pelo Governo, realidades transfronteiriças como Corunha, Santiago de Compostela, Salamanca (a 1h30mn de Madrid a partir de Maio de 2015), Medina del Campo, Valladolid, Badajoz, Mérida ou Cáceres são "meras abstrações", onde não há qualquer interesse em fazer chegar serviços ferroviários de passageiros diurnos, oriundos de Lisboa ou Porto. A insularidade natural da ferrovia na República da Irlanda não se afigura portanto mais forte que a sua congénere artificialmente imposta em Portugal, país onde o "Mercado Único Europeu", da liberdade de circulação de indivíduos, bens, capitais e serviços, é para o modo “comboio”, completamente inexistente.


4. A evolução do tráfego ferroviário de passageiros na Irlanda e Portugal

4.1. República da Irlanda


(Milhões de Pass-Km)


Fonte: ECMT/OECD (International Transport Forum)



4.2. Portugal


(Milhões de Pass-Km)


Fonte: ECMT/OECD (International Transport Forum)


Embora existam flutuações na evolução do tráfego, expresso em Passageiros-Km em ambos os Estados-Membros, a tendência de longo prazo da República da Irlanda e de Portugal é inversa. No geral há uma tónica ascendente no caso Irlandês, e descendente no Português, ao longo de um período de quase três décadas, e que se inicia em 1985, quando praticamente Portugal se preparava para aderir às Comunidades Europeias, e possuía então uma rede ferroviária com cerca de 3700 Km. Enquanto que o conceito de rede ferroviária se manteve na República da Irlanda, em Portugal ele foi destruído, ao longo do mesmo período, no qual se construíram simultaneamente, e com apoio de Fundos Europeus, mais de 2800 Km de autoestradas novas.


5. A lógica do desenvolvimento ferroviário na Irlanda, pela ótica de Portugal


Poderá colocar-se uma questão teórica interessante: o que seria hoje o caminho de ferro na República da Irlanda, caso o país tivesse sido governado pelos Executivos Portugueses, desde 1986?


Muitos dos corredores Inter-City que hoje funcionam estariam há muito desativados. Radiais como Dublin-Sligo, Athlone-Claremorris-Westport/Ballina, linhas bifurcadas como Mallow-Tralee, não teriam qualquer hipótese realista de se encontrarem em serviço, pela lógica de retração contínua do território, imposta à ferrovia em Portugal, ao longo de mais de um quarto de século. Todos estes corredores possuem densidades lineares e pontos extremos de menor magnitude comparativamente ao que hoje permanece aberto ao tráfego em Regiões como o Alentejo (Évora e Beja). Fenómenos como reabertura de linhas encerradas são algo completamente estranho para os decisores políticos de Portugal, e portanto dificilmente voltariam a circular serviços de passageiros em linhas como o West Rail Corridor of Ireland (trajeto concêntrico), o qual reabriu parcialmente em mais de 100 Km entre Limerick, Ennis e Athenry (Galway), após de mais de 30 anos sem tráfego (encerrado em 1976). Alguns círculos políticos Irlandeses ligados ao partido Fine Gael (família política Europeia idêntica ao PSD Português), advogam uma abordagem para o caminho de ferro Irlandês semelhante aquela que vem sendo aplicada em Portugal há quase três décadas: reduzi-lo a um sistema residual (não obstante grandes amputações ocorridas em tempos passados e com particular vigor nos anos de vigência do "Beddy Report", nos anos 50 a 70 do séc.XX). Um dos Conselheiros do Fine Gael, o académico Sean Barrett (Transport Economics, Trinity Colledge) advogou recentemente a reestruturação do transporte ferroviário na República da Irlanda, de molde a que não restassem em serviço mais do que quatro corredores Inter-City (Dublin-Belfast, Dublin-Galway, Dublin-Cork/Limerick e Dublin-Waterford). No plano teórico, a recomendação teria sido seguramente seguida por um Executivo Português, governando a Irlanda.


6. A lógica do desenvolvimento ferroviário em Portugal, pela ótica da Irlanda


E se Portugal tivesse sido governado por Executivos Irlandeses, desde 1986?


Contrariamente a Portugal, a República da Irlanda quase não possui o equivalente às Capitais de Distrito sem uma ligação básica a Dublin. À exceção de Donegal e Cavan (Região do Ulster integrada na República), TODOS OS CONDADOS através da sua sede, têm pelo menos uma estação de passageiros aberta ao tráfego, numa linha radial de Dublin. Assim, aberrações como Capitais de Distrito Portuguesas (Viseu, Bragança ou Vila Real) sem ligação ferroviária direta ou indireta a Lisboa ou Porto não teriam lugar pela lógica governativa Irlandesa dos últimos 30 anos, muito menos teriam aceitação situações como Distritos inteiros (Portalegre) sem qualquer tipo de oferta ferroviária de passageiros. As políticas de Ordenamento do Território Irlandesas contam com o modo ferroviário como estruturante do espaço nacional como um todo, remetendo para a dimensão caricatural as suas congéneres Portuguesas, as quais só encontram paralelo em países em vias de desenvolvimento, como em diversos Estados na América Latina. Mas mais: a manutenção em pleno funcionamento na Irlanda, de corredores radiais como Dublin-Sligo, ou Dublin-Westport, com as densidades lineares anteriormente descritas, permite inferir que relações diretas Lisboa-Beja-Moura, Lisboa-Évora-Estremoz-Vila Viçosa e Lisboa-Évora-Reguengos seriam uma realidade no Portugal de 2015, operadas com material automotor moderno, tal como ocorre no dia-a-dia da ferrovia Irlandesa. Outras situações impensáveis, pela lógica Irlandesa, seriam a completa balcanização de importantes porções de rede ferroviária, desintegradas da Rede Inter-Cidades, designadamente, a dissociação das grandes relações internas, de centros urbanos como Torres Vedras, Caldas da Rainha, Leiria, Lagos, Portimão, Tavira e Vila Real de Santo António.

7. Conclusão

A República da Irlanda possui condições particularmente complexas, para o desenvolvimento do transporte ferroviário de passageiros, de longo curso. Baixa densidade populacional, centros urbanos de pequena dimensão, e níveis de equipamento e investimento ferroviário limitados. A condição de insularidade cuja quebra (só possível através de um túnel de grande extensão de ligação à Grã-Bretanha) não se perspetiva senão a muito longo prazo, impede que a rede ferroviária Irlandesa possa procurar um ganho de escala, associando-se a sistemas vizinhos (os Northern Ireland Railways acabam por ser um subsistema, interno à Irlanda do Norte). Todavia, consegue oferecer em muitos aspetos, um serviço ferroviário de passageiros  superior ao existente em Portugal, mesmo com uma concorrência bastante acentuada de uma muito recentemente construída rede de autoestradas, e até linhas aéreas internas.

Portugal apenas consegue tapar a sua debilidade com a parte central do seu sistema troncal, entre Lisboa e Porto, onde alguns detalhes, como a eletrificação (prolongada ao Algarve Central e em duas penetrações no interior Centro), mascaram a realidade de uma ferrovia derrotada perante o público, e divorciada de qualquer política de fomento e desenvolvimento territorial. Toda a "estruturação do território" de Portugal (se da mesma se pode falar), assenta na atualidade (2015) em autoestradas, e numa mobilidade completamente entregue ao consumo de petróleo (50% de todas as importações de produtos petrolíferos são gastas numa logística medíocre de pessoas e bens, assente na rodovia). Onde na Irlanda existe incapacidade de buscar escala nas redes vizinhas, em Portugal há apenas, e tão somente, desinteresse institucional.

Bruxelas não co-financia mais projetos rodoviários de grande dimensão em Portugal, a partir do presente Quadro Comunitário de Apoio 20/20. Que respostas tem para dar ao novo quadro, o país onde a ferrovia perdeu três décadas? A obrigatoriedade de contratualização de serviços ferroviários de passageiros até 2019, em conformidade como o “Pacote Ferroviário Europeu” quedar-se-á por um mero pró-forma, deixando a oferta incumbente com as mesmas deficiências estruturais, ou será encarada como nova oportunidade, impondo os aspetos quantitativos e qualitativos, dos quais o transporte ferroviário de passageiros em Portugal tanto carece?


Manuel Margarido Tão, 8 de Abril de 2015




Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.